Estamos à vontade, agora! Faço-me velha só de olhar para esta criatura!
Estou morta por a ver pelas costas!
—
Mas porque a não pões na rua?
Jorge que não queria, senão. .
Leopoldina protestou. Boa! Os maridos não deviam ter vontade!. . Era o que faltava!. .
—
E o teu, então? — disse Luísa, rindo.
—
Obrigada! — exclamou Leopoldina. — Um homem que faz quarto à parte!. .
De resto detestava os homens que se ocupam de criadas, de róis, de azeites e vinagres. .
—
Que lá o meu cavalheiro até pesa a carne! — Sorriu, com ódio. —
Também é o que vale, senão!. . Eu só de ir à cozinha me dão enjoos..
Quis deitar vinho, mas a garrafa estava vazia.
Luísa acudiu:
—
Queres, tu champanhe? — Tinha-o muito bom, que o mandava a Jorge um proprietário de minas.
Foi ela mesmo buscar a garrafa, desembrulhou-a do seu papel azul; — e com risinhos, sustos, fizeram estalar a rolha. A espuma encantou-as; olhavam os copos, caladas, com um bem-estar feliz. Leopoldina gabou-se de saber abrir muito bem o champanhe; falava vagamente de ceias passadas...
—
Em terça-feira gorda, há dois anos!. .
E toda recostada na cadeira, com um sorriso cálido, as asas do nariz dilatadas, a pupila húmida, olhava com sensualidade os globulozinhos vivos que subiam, sem cessar, no copo esguio.
—
Se fosse rica, bebia sempre champanhe — disse.
Luísa não, ambicionava um cupê; e queria viajar, ir a Paris, a Sevilha, a Roma. .
Mas os desejos de Leopoldina eram mais vastos: invejava uma larga vida, com
carruagens, camarotes de assinatura, uma casa em Sintra, ceias, bailes, toaletes, jogo... Porque gostava do monte. — dizia — fazia-lhe bater o coração.
E estava convencida que havia de adorar a roleta.
—
Ah! — exclamou. — Os homens são bem mais felizes que nós! Eu nasci para homem! O que eu faria!
Levantou-se, foi-se deixar cair muito languidamente na poltrona, ao pé da janela. A tarde descia serenamente; por trás das casas, para lá dos terrenos vagos, nuvens arredondavam-se, amareladas, orladas de cores sanguíneas ou de tons alaranjados.
E voltando-lhe a mesma ideia de ação, de independência:
—
Um homem pode fazer tudo! Nada lhe fica mal! Pode viajar, correr aventuras... Sabes tu, fumava agora um cigarrito. .
O pior é que Juliana podia sentir o cheiro. E parecia tão mal!. .
—
É um convento, isto! — murmurou Leopoldina. — Não tens má prisão, minha filha!
Luísa não respondeu; tinha encostado a cabeça à mão: e com o olhar vago, como continuando alguma ideia.
—
São tolices, no fim, andar, viajar! A única coisa neste mundo é a gente estar na sua casa, com o seu homem, um filho ou dois. .