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Hei de os deixar de boca aberta! Tu verás!

Sentou-se; pôs-se a numerar as folhas escritas, assobiando. Sebastião, então, com timidez, quase vexado de perturbar com as suas preocupações domésticas aqueles interesses científicos, disse baixo:

Pois eu vim-te falar por causa lá da nossa gente. .

Mas a porta abriu-se com força, e um rapaz de barba desleixada, e olhar um pouco doido, entrou; era um estudante da Escola, amigo de Julião, e quase imediatamente os dois recomeçaram uma discussão que tinham travado de manhã, e que fora interrompida às onze horas, quando o rapaz de olhar doido a almoçar à Áurea.

Não, menino! — exclamava o estudante, exaltado. — Estou na minha!

A Medicina é uma meia ciência; a Fisiologia é outra meia ciência! São ciências conjeturais, porque nos escapa a base, conhecer o princípio da vida!

E cruzando os braços diante de Sebastião, bradou-lhe:

Que sabemos nós do princípio da vida?

Sebastião, humilhado, baixou os olhos.

Mas Julião indignava-se:

Estás desmoralizado pela doutrina vitalista, miserável! — Trovejou contra o Vitalismo, que declarou "contrário ao espírito científico". Uma teoria que pretende que as leis que governam os corpos brutos não são as mesmas

que governam os corpos vivos — é uma heresia grotesca — exclamava. — E

Bichat que a proclama é uma besta!

O estudante, fora de si, bradou — que chamar a Bichat uma besta era simplesmente de um alarve.

Mas Julião desprezou a injúria, e continuou, exaltado nas suas ideias:

Que nos importa a nós o princípio da vida? Importa-me tanto como a primeira camisa que vesti! O princípio da vida é como outro qualquer princípio: um segredo! Havemos de ignorá-lo eternamente! Não podemos saber nenhum princípio. A vida, a morte, as origens, os fins, mistérios! São causas primárias com que não temos nada a fazer, nada! Podemos batalhar séculos, que não avançamos uma polegada. O fisiologista, o químico, não têm nada com os princípios das coisas; o que lhes importa são os fenómenos! Ora, os fenómenos e as suas causas imediatas, meu caro amigo, podem ser determinadas com tanto rigor nos corpos brutos, como nos corpos vivos —

numa pedra, como num desembargador! E a Fisiologia e a Medicina são ciências tão exatas como a Química! Isto já vem de Descartes!

Travaram então um berreiro sobre Descartes. E imediatamente, sem que Sebastião atónito tivesse descoberto a transição, encarniçaram-se sobre a ideia de Deus.

O estudante parecia necessitar Deus para explicar o Universo. Mas Julião atacava Deus com cólera: chamava-lhe uma hipótese safada", "uma velha

caturrice do partido miguelista"! E começaram a assaltar-se sobre a questão social, como dois galos inimigos.

O estudante, com os olhos esgazeados, sustentava, dando punhadas sobre a mesa, o princípio da autoridade! Julião berrava pela "anarquia individual!" E

depois de citarem com fúria Proudhon, Bastiat, Jouffroy romperam em personalidades. Julião, que dominava pela estridência da voz, censurou violentamente ao estudante — as suas inscrições a seis por cento, o ridículo de ser filho de um corretor de fundos, e o bife de proprietário que vinha de comer na Áurea!

Olharam-se, então, com rancor.

Mas daí a momentos o estudante deixou cair com desdém algumas palavras sobre Claude Bernard, e a questão recomeçou, furiosa.

Sebastião tomou o chapéu.

Adeus — disse baixo.

Adeus, Sebastião, adeus — disse prontamente Julião.

Acompanhou-o ao patamar.

E quando quiseres que eu fale ao meu primo.. — murmurou Sebastião.

Pois sim, veremos, eu pensarei — disse Julião com indiferença, como se o orgulho do trabalho lhe tivesse dissipado o terror da injustiça.

Sebastião foi descendo as escadas, pensando: "Não se lhe pode falar em nada, agora!"

De repente veio-lhe uma ideia: se fosse ter com D. Felicidade, abrir-se com ela! D. Felicidade era espalhafatona, um pouco tonta, mas era uma mulher de idade, íntima de Luísa; tinha mais autoridade, mais habilidade mesmo..

Decidiu-se logo; tomou um trem, foi à Rua de São Bento.

A criada de D. Felicidade apareceu-lhe, desolada e lacrimosa:

Pois não sabe?

Ai! Até admira!

Mas o quê?

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