Leopoldina deu um salto na poltrona. Filhos! Credo, que nem falasse em semelhante coisa! Todos os dias dava graças a Deus nosnão ter!
—
Que horror! — exclamou com convicção. — O incómodo todo o tempo que se está!. . As despesas! Os trabalhos, as doenças! Deus me livre! É
uma prisão! E depois quando crescem, dão fé de tudo, palram, vão dizer. .
Uma mulher com filhos está inútil para tudo, está atada de pés e mãos! Não há prazer na vida. E estar ali a aturá-los. . Credo! Eu? Que Deus não me castigue, mas se tivesse essa desgraça parece-me que ia ter com a velha da Travessa da Palha!
—
Que velha? — perguntou Luísa.
Leopoldina explicou. Luísa achava uma infâmia. A outra encolheu os ombros, acrescentou:
—
E depois, minha rica, é que uma mulher estraga-se; não há beleza de corpo que resista. Perde-se o melhor. Quando se é como a tua amiga, a D.
Felicidade, enfim!. . Mas quando se é direitinha e arranjadinha!.. Nada, minha rica! Embaraços não faltam!
Por baixo, na rua, o realejo do bairro, no seu giro da tarde, veio tocar o final da Traviata; ia escurecendo; já as verduras dos quintais tinham uma igual cor parda; e as casas para além esbatiam-se na sombra.
A Traviata lembrou a Luísa a Dama das camélias; falaram do romance; recordaram episódios. .
—
Que paixão que eu tive por Armando em rapariga! — disse Leopoldina.
—
E eu foi por D'Artagnan — exclamou ingenuamente Luísa.
Riram muito.
—
Começamos cedo — observou Leopoldina. — Dá-me uma gotinha mais.
Bebeu, pousou o cálice — e encolhendo os ombros:
—
Oh! Começamos cedo? Começam todas! Aos treze anos já a gente vai na sua quarta paixão. Todas são mulheres, todas sentem o mesmo! — E
batendo o compasso com o pé, cantou, no tom do fado:
— O amor é uma doença Que costuma andar no ar; Só d'ir à janela às vezes s'apanha a febre d'amar!
—
Estou hoje com uma telha! — E espreguiçando-se muito languidamente: — No fim de contas é o que há de melhor neste mundo; o resto é uma sensaboria! Não é verdade? Diz, tu! Não é verdade?
Luísa murmurou:
—
Se é! — E acrescentou logo: — Creio eu!
Leopoldina ergueu-se, e escarnecendo-a:
—
Crê ela! Pobre inocentinha! Vejam o anjinho!
Foi-se encostar à janela; ficou a olhar pelos vidros o descer do crepúsculo; de repente pôs-se a dizer devagar:
—
Realmente vale bem a pena estar uma pobre de Cristo a privar-se, a passar uma vida de coruja, a mortificar-se, para vir um dia uma febre, um ar, uma soalheira e boas noites, vai-se para o alto de São João! Tó rola!
A sala agora estava um pouco escura.
—
Pois não te parece? — perguntou ela.
Aquela conversa embaraçava Luísa; sentia-se corar, mas o crepúsculo, as palavras de Leopoldina davam-lhe como o enfraquecimento de uma tentação.