Ah!
—
Muito apaixonado por ti sempre.
Luísa riu.
—
Doido, palavra! — afirmou Leopoldina.
A sala estava às escuras, com as janelas abertas; a rua esbatia-se num crepúsculo pardo, um ar lânguido e doce amaciava a noite.
Leopoldina esteve um momento calada; mas o champanhe, a meia obscuridade deram-lhe bem depressa a necessidade de cochichar confidenciazinhas. Estirou-se mais no divã, numa atitude toda abandonada; pôs-se a falar dele. Era ainda o Fernando, o poeta. Adorava-o.
—
Se tu soubesses! — murmurava com um ar de êxtase. — É um amor de rapaz!
A sua voz velada tinha inflexões de uma ternura cálida. Luísa sentia-lhe o hálito e o calor do corpo, quase deitada também, enervada; a sua respiração alta tinha por vezes um tom suspirado; e a certos detalhes mais picantes de Leopoldina soltava um risinho quente e curto, como de cócegas... Mas passos fortes de botas de tachas subiram a rua, e no candeeiro em frente o gás saltou com um jato vivo. Uma branda claridade pálida penetrou na sala.
Leopoldina ergueu-se logo. — Tinha de ir já, já, ao acender do gás. Estava à espera, o pobre rapaz! Entrou no quarto, mesmo às escuras, a pôr o chapéu, buscar a sombrinha. — Tinha-lhe prometido, coitado, não podia faltar. Mas realmente embirrava de ir só. Era tão longe! Se a Juliana pudesse vir acompanhá-la. .
—
Vai, sim, filha! — disse Luísa.
Ergueu-se preguiçosamente com um grande ai!, foi abrir a porta, e deu de cara com Juliana, na sombra do corredor.
—
Credo, mulher, que susto!
—
Vinha saber se queriam luz..
—
Não. Vá por um xale para acompanhar a senhora D. Leopoldina!
Depressa!
Juliana foi correndo.
—
E quando apareces tu, Leopoldina? — perguntou Luísa.
Logo que pudesse. Para a semana estava com ideias de ir ao Porto ver a tia Figueiredo, passar quinze dias na Foz..
A porta abriu-se.
—
Quando a senhora quiser.. — disse Juliana.
Fizeram grandes adeuses, beijaram-se muito. Luísa disse rindo ao ouvido de Leopoldina: — Sê feliz!
Ficou só. Fechou as janelas, acendeu as velas, começou a passear pela sala, esfregando devagar as mãos. E, sem querer, não podia desprender a ideia de Leopoldina que ia ver o seu amante! O seu amante!. .
Seguia-a mentalmente: caminhava depressa decerto falando com Juliana; chegava; subia a escada, nervosa; atirava com a porta — e que delicioso, que ávido, que profundo o primeiro beijo! Suspirou. Também ela amava — e um mais belo, mais fascinante. porque não tinha vindo?
Sentou-se ao piano preguiçosamente; pôs-se a cantar baixo, triste, o fado de Leopoldina:
—
E
por mais longe que esteia
Vejo-o sempre ao pé de mim!. .
Mas um sentimento de solidão, de abandono, veio impacientá-la. Que seca, estar ali tão sozinha! Aquela noite cálida, bela e doce, atraía-a, chamava-a para fora, passeios sentimentais, ou para contemplações do céu, num banco de jardim, com as mãos entrelaçadas. Que vida estúpida, a dela! Oh! Aquele Jorge! Que ideia ir para o Alentejo!
As conversas de Leopoldina e a lembrança das suas felicidades voltavam-lhe a cada momento; uma pontinha de champanhe agitava-se no sangue. O relógio do quarto começou lentamente a dar nove horas — e de repente a campainha retiniu.
Teve um sobressalto; não podia ser ainda Juliana! Pôs-se a escutar assustada.