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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e

poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."

Obras do autor publicadas pela Com panhia das Letras

O ano da morte de Ricardo Reis

O ano de 1993

A bagagem do viajante

Cadernos de Lanzarote

Cadernos de Lanzarote II

A caverna

O conto da ilha desconhecida

Don Giovanni ou O dissoluto absolvido

Ensaio sobre a cegueira

Ensaio sobre a lucidez

O Evangelho segundo Jesus Cristo

História do cerco de Lisboa

O homem duplicado

In Nomine Dei

As intermitências da morte

A jangada de pedra

A maior flor do mundo

Manual de pintura e caligrafia

Objecto quase

As pequenas memórias

Que farei com este livro?

Todos os nomes

Viagem a Portugal

A viagem do elefante

Se Gilda Lopes Encarnação não fosse leitora de português na Universidade de Salzburgo, se eu não tivesse sido convidado para ir falar aos alunos, se Gilda não m e tivesse convidado para j antar no restaurante O Elefante, este livro não existiria. Foi preciso que os ignotos fados se conj ugassem na cidade de Mozart para que eu pudesse ter perguntado: « Que figuras são aquelas?» As figuras eram um as pequenas esculturas de m adeira postas em fila, a prim eira das quais, olhando da direita para a esquerda, era a nossa Torre de Belém . Vinham a seguir representações de vários edifícios e m onum entos europeus que m anifestam ente enunciavam um itinerário. Foi-m e dito que se tratava da viagem de um elefante que, no século XVI, exatam ente em 1551, sendo rei D. João iii, foi levado de Lisboa a Viena. Pressenti que podia haver ali um a história e fi-lo saber a Gilda Lopes Encarnação. Ela achou que sim , ou que talvez, e prontificou-se para m e aj udar a obter a indispensável inform ação histórica. O livro resultante está aqui e deve m uito, m uitíssim o, à m inha providencial com panheira de m esa, a quem venho exprim ir publicam ente os m eus m ais profundos agradecim entos e tam bém a expressão da m inha estim a e do m eu m aior respeito.

A Pilar, que não deixou que eu morresse

Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.

O Livro dos Itinerários

Por m uito incongruente que possa parecer a quem não ande ao tento da im portância das alcovas, sej am elas sacram entadas, laicas ou irregulares, no bom funcionam ento das adm inistrações públicas, o prim eiro passo da extraordinária viagem de um elefante à áustria que nos propusem os narrar foi dado nos reais aposentos da corte portuguesa, m ais ou m enos à hora de ir para a cam a. Registe-se j á que não é obra de sim ples acaso terem sido aqui utilizadas estas im precisas palavras, m ais ou m enos. Deste m odo, dispensám o-nos, com assinalável elegância, de entrar em porm enores de ordem física e fisiológica algo sórdidos, e quase sem pre ridículos, que, postos em pelota sobre o papel, ofenderiam o catolicism o estrito de dom j oão, o terceiro, rei de portugal e dos algarves, e de dona catarina de áustria, sua esposa e futura avó daquele dom sebastião que irá a pelej ar a alcácer-quibir e lá m orrerá ao prim eiro assalto, ou ao segundo, em bora não falte quem afirm e que se finou por doença na véspera da batalha. De sobrolho carregado, eis o que o rei com eçou por dizer à rainha, Estou duvidando, senhora, Quê, m eu senhor, O presente que dem os ao prim o m axim iliano, quando do seu casam ento, há quatro anos, sem pre m e pareceu indigno da sua linhagem e m erecim entos, e agora que o tem os aqui tão perto, em valladolid, com o regente de espanha, por assim dizer à m ão de sem ear, gostaria de lhe oferecer algo m ais valioso, algo que desse nas vistas, a vós que vos parece, senhora, Um a custódia estaria bem , senhor, tenho observado que, talvez pela virtude conj unta do seu valor m aterial com o seu significado espiritual, um a custódia é sem pre bem acolhida pelo obsequiado, A nossa santa igrej a não apreciaria tal liberalidade, ainda há-de ter presentes em sua infalível m em ória as confessas sim patias do prim o m axim iliano pela reform a dos protestantes luteranos, luteranos ou calvinistas, nunca soube ao certo, Vade retro, satanás, nem em tal tinha pensado, exclam ou a rainha, benzendo-se, am anhã terei de m e confessar à prim eira hora, Porquê am anhã em particular, senhora, se é vosso costum e confessar-vos todos os dias, perguntou o rei, Pela nefanda ideia que o inim igo m e pôs nas cordas da voz, olhai que ainda sinto a garganta queim ada com o se por ela tivesse roçado o bafo do inferno. Habituado aos exageros sensoriais da rainha, o rei encolheu os om bros e regressou à espinhosa tarefa de descobrir um presente capaz de satisfazer o arquiduque m axim iliano de áustria. A rainha bisbilhava um a oração, principiara j á outra, quando de repente se interrom peu e quase gritou, Tem os o salom ão, Quê, perguntou o rei, perplexo, sem perceber a intem pestiva invocação ao rei de j udá, Sim , senhor, salom ão, o elefante, E para que quero eu aqui o elefante, perguntou o rei j á algo abespinhado, Para o presente, senhor, para o presente de casam ento, respondeu a rainha, pondo-se de pé, eufórica, excitadíssim a, Não é presente de casam ento, Dá o m esm o. O rei acenou com a cabeça lentam ente três vezes seguidas, fez um a pausa e acenou outras três vezes, ao fim das quais adm itiu, Parece-m e um a ideia interessante, É m ais do que interessante, é um a ideia boa, é um a ideia excelente, retrucou a rainha com um gesto de im paciência, quase de insubordinação, que não foi capaz de reprim ir, há m ais de dois anos que esse anim al veio da índia, e desde então não tem feito outra coisa que não sej a com er e dorm ir, a dorna da água sem pre cheia, forragens aos m ontões, é com o se estivéssem os a sustentar um a besta à argola, e sem esperança de pago, O

pobre bicho não tem culpa, aqui não há trabalho que sirva para ele, a não ser que o m andasse para os estaleiros do tej o a transportar tábuas, m as o coitado iria padecer, porque a sua especialidade profissional são os troncos, que se aj eitam m elhor à trom ba pela curvatura, Então que vá para viena, E com o irá, perguntou o rei, Ah, isso não é da nossa conta, se o prim o m axim iliano passar a ser o dono, ele que resolva, im agino que ainda continuará em valladolid, Não tenho notícia em contrário, Claro que para valladolid o salom ão terá de ir à pata, que boas andadeiras tem , E para viena tam bém , não terá outro rem édio, Um estirão, disse a rainha, Um estirão, assentiu o rei gravem ente, e acrescentou, Am anhã escreverei ao prim o m axim iliano, se ele aceitar haverá que com binar datas e fazer alguns acertos, por exem plo, quando tenciona ele partir para viena, de quantos dias irá precisar salom ão para chegar de lisboa a valladolid, daí para diante j á não será conosco, lavam os as m ãos, Sim , lavam os as m ãos, disse a rainha, m as, lá no íntim o profundo, que é onde se digladiam as contradições do ser, sentiu um a súbita dor por deixar ir o salom ão sozinho para tão distantes terras e tão estranhas gentes.

No dia seguinte, m anhãzinha cedo, o rei m andou vir o secretário pêro de alcáçova carneiro e ditou-lhe um a carta que não lhe saiu bem à prim eira, nem à segunda, nem à terceira, e que teve de ser confiada por inteiro à habilidade retórica e ao experim entado conhecim ento da pragm ática e das fórm ulas epistolares usadas entre soberanos que exornava o com petente funcionário, o qual na m elhor das escolas possíveis havia aprendido, a de seu próprio pai, antónio carneiro, de quem , por m orte, herdara o cargo. A carta ficou perfeita tanto de letra com o de razões, não om itindo sequer a possibilidade teórica, diplom aticam ente expressa, de que o presente pudesse não ser do agrado do arquiduque, o qual teria, porém , todas as dificuldades do m undo em responder com um a negativa, pois o rei de portugal afirm ava, num a passagem estratégica da carta, que em todo o seu reino não possuía nada de m ais valioso que o elefante salom ão, quer pelo sentim ento unitário da criação divina que liga e aparenta todas as espécies um as às outras, há m esm o quem diga que o hom em foi feito com as sobras do elefante, quer pelos valores sim bólico, intrínseco e m undano do anim al. Fechada e selada a carta, o rei deu ordem para que se apresentasse o estribeiro-m or, fidalgo da sua m aior confiança, a quem resum iu a m issiva, depois do que lhe ordenou que escolhesse um a escolta digna da sua qualidade, m as, sobretudo, à altura da responsabilidade da m issão de que ia incum bido. O fidalgo beij ou a m ão ao rei, que lhe disse, com a solenidade de um oráculo, estas sibilinas palavras, Que sej ais tão rápido com o o aquilão e tão seguro com o o voo da águia, Sim , m eu senhor. Depois, o rei m udou de tom e deu alguns conselhos práticos, Não precisais que vos recorde que deveis m udar de cavalos todas as vezes que sej am necessárias, as postas não estão lá para outra coisa, não é hora de poupar, vou m andar que reforcem as quadras, e, j á agora, sendo possível, para ganhar tem po, opino que deveríeis dorm ir em cim a do vosso cavalo enquanto ele for galopando pelos cam inhos de castela. O m ensageiro não com preendeu o risonho j ogo ou preferiu deixar passar, e lim itou-se a dizer, As ordens de vossa alteza serão cum pridas ponto por ponto, em penho nisso a m inha palavra e a m inha vida, e foi-se retirando às arrecuas, repetindo as vénias de três em três passos.

É o m elhor dos estribeiros-m ores, disse o rei. O secretário resolveu calar a adulação que consistiria em dizer que o estribeiro-m or não poderia ser e portar-se doutra m aneira, um a vez que havia sido escolhido pessoalm ente por sua alteza. Tinha a im pressão de ter dito algo sem elhante não há m uitos dias. Já nessa altura lhe viera à lem brança um conselho do pai,

Cuidado, m eu filho, um a adulação repetida acabará inevitavelm ente por tornar-se insatisfatória, e portanto ferirá com o um a ofensa. Posto o que, o secretário, em bora por razões diferentes das do estribeiro-m or, preferiu tam bém calar-se. Foi neste breve silêncio que o rei deu voz, finalm ente, a um cuidado que lhe havia ocorrido ao despertar, Estive a pensar, acho que deveria ir ver o salom ão, Quer vossa alteza que m ande cham ar a guarda real, perguntou o secretário, Não, dois paj ens são m ais do que suficientes, um para os recados e o outro para ir saber por que é que o prim eiro ainda não voltou, ah, e tam bém o senhor secretário, se m e quiser acom panhar, Vossa alteza honra-m e m uito, por cim a dos m eus m erecim entos, Talvez para que venha a m erecer m ais e m ais, com o seu pai, que deus tenha em glória, Beij o as m ãos de vossa alteza, com o am or e o respeito com que beij ava as dele, Tenho a im pressão de que isso é que está m uito por cim a dos m eus m erecim entos, disse o rei, sorrindo, Em dialética e em resposta pronta ninguém ganha a vossa alteza, Pois olhe que não falta por aí quem diga que as fadas que presidiram ao m eu nascim ento não m e fadaram para o exercício das letras, Nem tudo são letras no m undo, m eu senhor, ir visitar o elefante salom ão neste dia é, com o talvez se venha a dizer no futuro, um ato poético, Que é um ato poético, perguntou o rei, Não se sabe, m eu senhor, só dam os por ele quando aconteceu, Mas eu, por enquanto, só tinha anunciado a intenção de visitar o salom ão, Sendo palavra de rei, suponho que terá sido o bastante, Creio ter ouvido dizer que, em retórica, cham am a isso ironia, Peço perdão a vossa alteza, Está perdoado, senhor secretário, se todos os seus pecados forem dessa gravidade, tem o céu garantido, Não sei, m eu senhor, se este será o m elhor tem po de ir para o céu, Que quer isso dizer, Vem aí a inquisição, m eu senhor, acabaram -se os salvo-condutos de confissão e absolvição, A inquisição m anterá a unidade entre os cristãos, esse é o seu obj etivo, Santo obj etivo, sem dúvida, m eu senhor, resta saber por que m eios o alcançará, Se o obj etivo é santo, santos serão tam bém os m eios de que se servir, respondeu o rei com certa aspereza, Peço perdão a vossa alteza, além disso, Além disso, quê, Rogo-vos que m e dispenseis da visita ao salom ão, sinto que hoj e não seria um a com panhia agradável para vossa alteza, Não dispenso, preciso absolutam ente da sua presença no cercado, Para quê, m eu senhor, se não estou a ser dem asiado confiado em perguntar, Não tenho luzes para perceber se vai acontecer o que cham ou ato poético, respondeu o rei com um m eio sorriso em que a barba e o bigode desenhavam um a expressão m aliciosa, quase m efistofélica, Espero as suas ordens, m eu senhor, Sendo cinco horas, quero quatro cavalos à porta do palácio, recom ende que aquele que m ontarei sej a grande, gordo e m anso, nunca fui de cavalgadas, e agora ainda m enos, com esta idade e os achaques que ela trouxe, Sim , m eu senhor, E escolha-m e bem os paj ens, que não sej am daqueles que se riem por tudo e por nada, dá-m e vontade de lhes torcer o pescoço, Sim , m eu senhor.

Só partiram passadas as cinco horas e m eia porque a rainha, ao saber da excursão que se estava preparando, declarou que tam bém queria ir. Foi difícil convencê-la de que não tinha qualquer sentido fazer sair um coche só para ir a belém , que era onde havia sido levantado o cercado para o salom ão. E certam ente, senhora, não quererá ir a cavalo, disse o rei, perem ptório, decidido a não adm itir qualquer réplica. A rainha acatou a m al disfarçada proibição e retirou-se m urm urando que salom ão não tinha, em todo o portugal, e m esm o em todo o universo m undo, quem m ais lhe quisesse. Via-se que as contradições do ser iam em aum ento.

Depois de ter cham ado ao pobre anim al besta sustentada à argola, o pior dos insultos para um

irracional a quem na índia tinham feito trabalhar duram ente, sem soldada, anos e anos, catarina de áustria exibia agora assom os de paladino arrependim ento que quase a tinham levado a desafiar, pelo m enos nas form as, a autoridade do seu senhor, m arido e rei. No fundo tratava-se de um a tem pestade num copo de água, um a pequena crise conj ugal que inevitavelm ente se há-de desvanecer com o regresso do estribeiro-m or, sej a qual for a resposta que trouxer. Se o arquiduque aceitar o elefante, o problem a resolver-se-á por si m esm o, ou m elhor, resolvê-lo-á a viagem para viena, e, se não o aceitar, então será caso para dizer, um a vez m ais, com a m ilenária experiência dos povos, que, apesar das decepções, frustrações e desenganos que são o pão de cada dia dos hom ens e dos elefantes, a vida continua. Salom ão não tem nenhum a ideia do que o espera. O estribeiro-m or, em issário do seu destino, cavalga em direção a valladolid, j á refeito do m au resultado da tentativa feita para dorm ir em cim a da m ontada, e o rei de portugal, com a sua reduzida com itiva de secretário e paj ens, está a chegar à praia de belém , à vista do m osteiro dos j eronim itas e do cercado de salom ão. Dando tem po ao tem po, todas as coisas do universo acabarão por se encaixar um as nas outras. Aí está o elefante. Mais pequeno que os seus parentes africanos, adivinha-se, no entanto, por baixo da cam ada de suj idade que o cobre, a boa figura com que havia sido contem plado pela natureza. Por que é que este anim al está tão suj o, perguntou o rei, onde está o tratador, suponho que haverá um tratador. Aproxim ava- -se um hom em de rasgos indianos, coberto por roupas que quase se haviam convertido em andraj os, um a m istura de peças de vestuário de origem e de fabrico nacional, m al cobertas ou m al cobrindo restos de panos exóticos vindos, com o elefante, naquele m esm o corpo, há dois anos.

Era o cornaca. O secretário depressa se apercebeu de que o tratador não tinha reconhecido o rei, e, com o a situação não estava para apresentações form ais, alteza, perm iti que vos apresente o cuidador de salom ão, senhor indiano, apresento-lhe o rei de portugal, dom j oão, o terceiro, que passará à história com o cognom e de piedoso, deu ordem aos paj ens para que entrassem no redondel e inform assem o desassossegado cornaca dos títulos e qualidades da personagem de barbas que lhe estava dirigindo um olhar severo, anunciador dos piores efeitos, É o rei. O hom em parou, com o se o tivesse fulm inado um raio, e fez um m ovim ento com o para escapar, m as os paj ens filaram -no pelos trapos e em purraram -no até à estacada. Subido a um a rústica escada de m ão, colocada no lado de fora, o rei observava o espetáculo com irritação e repugnância, repeso de ter cedido ao im pulso m atutino de vir fazer um a visita sentim ental a um bruto paquiderm e, a este ridículo proboscídeo de m ais de quatro côvados de altura que, assim o queira deus, em breve irá descarregar as suas m alcheirosas excreções na pretensiosa viena de áustria. A culpa, pelo m enos em parte, cabia ao secretário, àquela sua conversa sobre atos poéticos que ainda lhe estava dando voltas à cabeça. Olhou com ar de desafio ao por outras razões estim ado funcionário, e este, com o se lhe tivesse adivinhado a intenção, disse, Ato poético, m eu senhor, foi ter vindo vossa alteza aqui, o elefante é só o pretexto, nada m ais. O rei resm ungou qualquer coisa que não pôde ser ouvida, depois disse em voz firm e e clara, Quero esse anim al lavado agora m esm o. Sentia-se rei, era um rei, e a sensação é com preensível se pensarm os que nunca dissera um a frase igual em toda a sua vida de m onarca. Os paj ens transm itiram ao cornaca a vontade do soberano e o hom em correu a um alpendre onde se guardavam coisas que pareciam ferram entas e coisas que talvez o fossem , além de outras que ninguém saberia dizer para que serviam . Ao lado do alpendre havia um a construção de tábuas coberta de telha-vã, que devia ser o aloj am ento do tratador. O hom em regressou com um a escova de piaçaba de cabo com prido,

encheu um balde grande na dorna que servia de bebedouro e pôs m ãos ao trabalho. Foi notório o prazer do elefante. A água e a esfregação da escova deviam ter despertado nele algum a agradável recordação, um rio na índia, um tronco de árvore rugoso, e a prova é que durante todo o tem po que a lavagem durou, um a m eia hora bem puxada, não se m oveu donde estava, firm e nas patas potentes, com o se tivesse sido hipnotizado. Conhecidas com o são as excelsas virtudes da higiene corporal, não surpreendeu que no lugar onde havia estado um elefante tivesse aparecido outro. A suj idade que o cobrira antes e que m al deixava ver-lhe a pele tinha-se sum ido sob o ím peto com binado da água e da escova, e salom ão exibia-se agora aos olhares em todo o seu esplendor. Bastante relativo, se repararm os bem . A pele do elefante asiático, e este é um deles, é grossa, de cor m eio cinza m eio café, salpicada de pintas e pelos, um a perm anente decepção para o próprio, apesar dos aconselham entos da resignação que sem pre lhe estava dizendo que devia contentar-se com o que tinha, e desse graças a vixnu. Deixara-se lavar com o se esperasse um m ilagre, com o num batism o, e o resultado ali estava, pelos e pintas. Há m ais de um ano que o rei não via o elefante, tinham -lhe esquecido os porm enores, e agora não estava a gostar nada do espetáculo que se lhe oferecia. Salvavam -se os longos incisivos do paquiderm e, de um a brancura resplandecente, apenas ligeiram ente curvos, com o duas espadas apontando em frente. Mas ainda faltava o pior. De súbito, o rei de portugal, e tam bém dos algarves, antes no auge da felicidade por poder obsequiar nada m ais nada m enos que um genro do im perador carlos quinto, sentiu-se com o se fosse cair da escada de m ão abaixo e precipitar-se na goela hiante da ignom ínia. Eis o que o rei tinha perguntado a si m esm o, E se o arquiduque não gosta dele, se o acha feio, im aginem os que com eça por aceitar o presente, um a vez que o não conhece, e depois o devolve, com o resistirei eu à vergonha de ver-m e desfeiteado perante os olhares com passivos ou irónicos da com unidade europeia. Que vos parece, que ideia vos dá o anim al, decidiu-se o rei a perguntar ao secretário, ansiando por um a tábua de salvação que unicam ente dali lhe poderia vir, Bonito ou feio, m eu senhor, são m eras expressões relativas, para a coruj a até os seus coruj inhos são bonitos, o que eu estou a ver daqui, para tom ar este caso particular de um a lei geral, é um m agnífico exem plar de elefante asiático, com todos os pelos e pintas a que está obrigado pela sua natureza e que encantará o arquiduque e deslum brará não só a corte e população de viena com o, por onde quer que passe, o gentio com um . O rei suspirou de alívio, Suponho que terá razão, Espero tê-la, m eu senhor, se da outra natureza, a hum ana, conheço algum a coisa, e, se vossa alteza m o perm ite, atrever-m e-ia ainda a dizer que este elefante com pelos e pintas irá converter-se num instrum ento político de prim eira ordem para o arquiduque de áustria, se ele é tão astuto com o deduzo das provas que até agora tem dado, Aj udai-m e a descer, esta conversa fez-m e tonturas. Com a aj uda do secretário e dos dois paj ens, o rei logrou descer sem m aiores dificuldades os poucos degraus que havia subido. Respirou fundo quando sentiu terra firm e debaixo dos pés e, sem m otivo aparente, salvo, digam os talvez, j á que é ainda dem asiado cedo para sabê-lo de ciência certa, a súbita oxigenação do sangue e o consequente renovo da circulação nos interiores da cabeça, fê-lo pensar em algo que em circunstâncias norm ais seguram ente nunca lhe ocorreria. E foi, Este hom em não pode ir para viena em sem elhante figura, coberto de andraj os, ordeno que lhe façam dois fatos, um para o trabalho, para quando tiver que andar em cim a do elefante, e outro de representação social para não fazer m á figura na corte austríaca, sem luxo, m as digno do país que o m anda lá, Assim se fará, m eu senhor, E, a propósito, com o se cham a ele. Despachou-se um paj em a sabê-lo, e a resposta, transm itida pelo

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