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- Magnificente! exclamou o perceptor com uma energia fogosa.

Então Carlos, estendendo o braço por cima da meza, reclamou tambem Bucellas. E a sua razão era haver festa por ter chegado o Villaça. O avô não consentiu; o menino teria o seu calice de Collares, como de costume, e um só. Carlos crusou os braços sobre o guardanapo que lhe pendia do pescoço, espantado de tanta injustiça! Então nem para festejar o Villaça poderia apanhar uma gotinha de Bucellas? Ahi estava uma linda maneira de receber os hospedes na quinta... A Gertrudes dissera-lhe que como viera o sr.

administrador, havia de pôr á noite para o chá o fato novo de velludo. Agora observavam-lhe que não era festa, nem caso para Bucellas... Então não entendia.

O avô, que lhe bebia as palavras, enlevado, fez subitamente um carão severo.

- Parece-me que o senhor está palrando de mais. As pessoas grandes é que palram á meza.

Carlos recolheu-se logo ao seu prato, murmurando muito mansamente:

- Está bom, vôvô, não te zangues. Esperarei para quando for grande...

Houve um sorriso em volta da meza. A propria viscondessa, deleitada, agitou preguiçosamente o leque: o abbade, com a sua boa face banhada em extasi para o menino, apertava as mãos cabelludas contra o peito, tanto aquillo lhe parecia engraçado: e Affonso tossia por traz do guardanapo, como limpando as barbas - a esconder o riso, a admiração que lhe brilhava nos olhos.

Tanta vivacidade surprehendeu tambem Villaça. Quiz ouvir mais o menino, e pousando o seu talher:

- E diga-me, Carlinhos, já vae adiantado nos seus estudos?

O rapaz, sem o olhar, repoltreou-se, mergulhou as mãos pelo cós das flanellas, e respondeu com um tom superior:

- Já faço ladear a Brigida.

Então o avô, sem se conter, largou a rir, cahido para o espaldar da cadeira:

- Essa é boa! Eh ! Eh! Já faz ladear a Brigida! E é verdade, Villaça, já a faz ladear...

Pergunte ao Brown; não é verdade, Brown? E a eguasita é uma piorrita, mas fina...

- Oh vôvô, gritou Carlos já excitado, dize ao Villaça, anda. Não é verdade que eu era capaz de governar o dog-cart?

Affonso reassumio um ar severo.

- Não o nego... Talvez o governasse, se lh'o consentissem. Mas faça-me favor de se não gabar das suas façanhas, porque um bom cavalleiro deve ser modesto... E sobre tudo não enterrar assim as mãos pela barriga abaixo...

O bom Villaça, no entanto, dando estalinhos aos dedos, preparava uma observação. Não se podia de certo ter melhor prenda que montar a cavallo com as regras... Mas elle queria dizer se o Carlinhos já entrava com o seu Phedro, o seu Tito Liviosinho...

- Villaça, Villaça, advertiu o abbade, de garfo no ar e um sorriso de santa malicia, não se deve fallar em latim aqui ao nosso nobre amigo... Não admitte, acha que é antigo... Elle, antigo é...

- Ora sirva-se d'esse fricassé, ande abbade, disse Affonso, que eu sei que é o seu fraco, e deixe lá o latim...

O abbade obedeceu com deleite; e escolhendo no molho rico os bons pedaços de ave, ia murmurando:

- Deve-se começar pelo latimsinho, deve-se começar por lá... É a base; é a basesinha!

- Não! latim mais tarde! exclamou o Brown, com um gesto possante. Prrimeiro forrça!

Forrça! Musculo...

E repetio, duas vezes, agitando os formidaveis punhos:

- Prrimeiro musculo, musculo!...

Affonso appoiava-o, gravemente. O Brown estava na verdade. O latim era um luxo d'erudito... Nada mais absurdo que começar a ensinar a uma creança n'uma lingua morta quem foi Fabio, rei dos Sabinos, o caso dos Grachos, e outros negocios d'uma nação extincta, deixando-o ao mesmo tempo sem saber o o que é a chuva que o molha, como se faz o pão que come, e todas as outras cousas do Universo em que vive...

- Mas emfim os classicos, arriscou timidamente o abbade.

- Qual classicos! O primeiro dever do homem é viver. E para isso é necessario ser são, e ser forte. Toda a educação sensata consiste n'isto: crear a saude, a força e os seus habitos,

desenvolver exclusivamente o animal, armal'o d'uma grande superioridade physica. Tal qual como se não tivesse alma. A alma vem depois... A alma é outro luxo. É um luxo de gente grande...

O abbade coçava a cabeça, com o ar arripiado.

- A instrucçãosinha é necessaria, disse elle. Você não acha, Villaça? Que v. ex.ª, sr.

Affonso da Maia, tem visto mais mundo do que eu... Mas emfim a instrucçãosinha...

- A instrucção para uma creança não é recitar Tityre, tu patulae recubans... É saber factos, noções, cousas uteis, cousas praticas...

Mas suspendeu-se: e, com o olho brilhante, n'um signal ao Villaça, mostrou-lhe o neto que palrava inglez com o Brown. Eram de certo feitos de força, uma historia de briga com rapazes que elle lhe estava a contar, animado e jogando com os punhos. O perceptor approvava, retorcendo os bigodes. E á mesa os senhores com os garfos suspensos, por traz os escudeiros de pé e guardanapo no braço, todos, n'um silencio reverente, admiravam o menino a fallar inglez.

- Grande prenda, grande prenda, murmurou Villaça, inclinando-se para a Viscondessa.

A excellente senhora córou, atravez d'um sorriso. Parecia assim mais gorda, toda acaçapada na cadeira, silenciosa, comendo sempre; e, a cada gole de Bucellas, refrescava-se languidamente com o seu grande leque negro e lentejoulado.

Quando o Teixeira serviu o vinho do Porto, Affonso fez uma saude ao Villaça. Todos os copos se ergueram n'um rumor de amizade. Carlos quiz gritar Hurrah! O avô, com um gesto reprehensivo, immobilisou-o; e na pausa satisfeita que se fez, o pequeno disse com uma grande convicção:

- Oh avô, eu gosto do Villaça. O Villaça é nosso amigo.

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