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manda um sabre da guarda municipal; por seu lado o ministro, a proposito de impostos, cita as Meditações de Lamartine; e o litterato, essa besta suprema...

Mas calou-se, vendo a espada que Carlos trazia na mão, uma folha do seculo XVI, de grande tempera, fina e vibrante, com copos trabalhado como uma renda - e tendo gravado no aço o nome illustre do espadeiro, Francisco Ruy de Toledo.

Embrulhou-a logo n'um jornal, recusou á pressa o almoço que lhe ofereciam, deu dous vivos shake-hands, atirou o chapéu para a nuca, ia abalar, quando a voz de Affonso o deteve:

- Ouve la, John, dizia o velho alegremente, isso é uma espada cá da casa, que nunca brilhou sem gloria, creio eu... Vê como te serves d'ella!

Ao pé do resposteiro, Ega voltou-se, exclamou, apertando contra o peito do paletot o ferro, enrolado no Jornal do Commercio:

- Não a sacarei sem justiça, nem a embainharei sem honra. Au revoir!

- Que vida, que mocidade! murmurou Affonso. Muito feliz é este John!... Pois vae-te arranjando filho, que já tocou a primeira vez para o almoço.

Carlos ainda se demorou um instante a reler, com um sorriso, a apparatosa carta do Gouvarinho; e ia emfim chamar o Baptista para se vestir, quando em baixo, á entrada particular, o timbre electrico começou a vibrar violentamente. Um passo ancioso ressoou na ante-camara, o Damaso appareceu esbaforido, d'olho esgazeado, com a face em braza. E, sem dar tempo a que Carlos exprimisse a surpreza de o ver emfim no Ramalhete, exclamou, lançando os braços ao ar:

- Ainda bem que te encontro, caramba! Quero que venhas d'ahi, que me venhas ver um doente... Eu te explicarei... É aquella gente brazileira. Mas pelo amor de Deus, vem depressa, menino!

Carlos erguera-se, pallido:

- É ella?

- Não, é a pequena, esteve a morrer... Mas veste-te, Carlinhos, veste-te, que a responsabilidade é minha!

- É um bébé, não é?

- Qual bébé!... É uma pequena crescida, de seis annos... Anda d'ahi!

Carlos, já em mangas de camisa, estendia o pé ao Baptista, que, com um joelho em terra, apressado tambem, quasi fez saltar os botões da bota. E Damaso, de chapéu na cabeça, agitava-se, exagerando a sua impaciencia, a estalar de importancia.

- Sempre a gente se vê em coisas!... Olha que responsabilidade a minha! Vou visital-os, como costumo ás vezes, de manhã... E vae, tinham partido para Queluz.

Carlos voltou-se, com a sobrecasaca meia vestida:

- Mas então?...

- Escuta, homem! Foram para Queluz, mas a pequena ficou com a governanta... Depois do almoço deu-lhe uma dôr. A governante queria um medico inglez, porque não falla senão inglez... Do hotel foram procurar o Smith, que não appareceu... E a pequena a morrer!...

Felizmente, cheguei eu, e lembrei-me logo de ti... Foi sorte encontrar-te, caramba!

E acrescentou, dando um olhar ao jardim:

- Tambem, irem a Queluz com um dia d'estes! Hão-de-se divertir... Estás prompto, hein? Eu tenho lá em baixo o coupé... Deixa as luvas, vaes muito bem sem luvas!

- O avô que não me espere para almoçar, gritou Carlos ao Baptista, já do fundo da escada.

Dentro do coupé, um ramo enorme enchia quasi o assento.

- Era para ella, disse o Damaso, pondo-o sobre os joelhos. Pela-se por flores.

Apenas o coupé partiu, Carlos cerrando a vidraça, fez a pergunta que desde a apparição do Damaso lhe faiscava nos labios.

- Mas então tu, que querias quebrar a cara a esse Castro Gomes?...

O Damaso contou logo tudo, triumphante. Fôra tudo um equivoco! Ah, as explicações do Castro Gomes tinham sido d'um gentleman. Senão quebrava-lhe a cara. Isso não, desconsiderações, a ninguem! a ninguem! Mas fôra assim: os bilhetes de visita que elle lhe deixara conservavam o seu adresse do Grand Hotel em Paris. E o Castro Gomes, suppondo que elle vivia lá, obdecendo á indicação, mandara para lá os seus cartões! Curioso, hein? E

de estupido... E a falta de resposta aos telegrammas fôra culpa de Madame, descuido, n'aquelle momento de afflicção, vendo o marido com o braço escavacado... Ah, tinham-lhe dado satisfações humildes. E agora eram intimos, estava lá quasi sempre...

- Emfim, menino, um romance... Mas isso é para mais tarde!

O coupé parara á porta do Hotel Central. Damaso saltou, correu ao guarda portão.

Mandou o telegramma, Antonio?

- Já lá vae...

- Tu comprehendes, dizia elle a Carlos, galgando as escadas, mandei-lhes logo um telegramma para o hotel em Queluz. Não estou para ter mais responsabilidades!...

No corredor, defronte do escriptorio, um criado passava, com um guardanapo debaixo do braço:

- Como está a menina? gritou-lhe o Damaso.

O criado encolheu os hombros, sem comprehender.

Mas Damaso já trepava o outro lanço de escada, soprando, gritando:

- Por aqui Carlos, eu conheço isto a palmos! Numero 26!

Abriu com estrondo a porta do numero 26. Uma criada, que estava á janella, voltou-se.

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