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Como um cavallo de fiacre? Vladimiro era o melhor potro do Darque! Talvez ainda viesse a ser a unica gloria de Portugal, como outr'ora o Gladiador era a unica gloria da França! Talvez ainda substituisse Camões...

- Ah, vous plaisantez...

Não, Carlos não gracejava. Estava até prompto a apostar tudo por Vladimiro.

- Você aposta por Vladimiro? gritou Telles da Gama, voltando-se vivamente.

Carlos, por divertimento, sem mesmo saber por quê, declarou que tomava Vladimiro.

Então, em roda, foi uma surpreza; e todo o mundo quiz apostar, aproveitar-se d'aquella phantasia de homem rico, que sustentava um potro verde, de tres quartos de sangue, a que o proprio Darque chamava pileca. Elle sorria, aceitava; terminou ate por erguer a voz, proclamar Vladimiro contra o campo. E de todos os lados o chamavam, n'uma sofreguidão de saque.

- Mr. de Maia, dix tostons.

- Parfaitement, madame.

- Oh Maia, você quer meia libra?

- Ás ordens.

- Maia, tambem eu! Ouça lá... Tambem eu!... Dous mil réis.

- Ó sr. Maia, eu vou dez tostões...

- Com o maior prazer, minha senhora...

Ao longe os cavallos davam a volta, na subida do terreno. Rabbino já desapparecera, - e Vladimiro n'um galope a que se sentia o cançasso, corria só na pista. Uma voz elevou-se, dizendo que elle manquejava. Então Carlos, que continuava a tomar Vladimiro contra o campo, sentiu que lhe puxavam de vagar pela manga; voltou-se; era o secretario de Steinbroken, chegando subtilmente a tomar tambem parte no saque á bolsa do Maia, propondo dous soberanos, em seu nome e em nome do seu chefe, como uma aposta collectiva da legação, a aposta do reino da Filandia.

- C'est fait, monsieur! exclamou Carlos, rindo.

Agora começava a divertir-se. Apenas vira de relance Vladimiro, e gostara da cabeça ligeira do potro, do seu peito largo e fundo; mas apostava sobre tudo para animar mais aquelle recanto da tribuna, ver brilhar gulosamente os olhos interesseiros das mulheres.

Telles da Gama ao lado approvava-o, achava aquillo patriotico e chic.

- É Minhoto! gritou de repente Taveira.

Na volta, com effeito, fizera-se uma mudança. Subitamente Rabbino perdera terreno, resistindo á subida, com o folego curto. E agora era Minhoto, o cavallicoque obscuro de Manuel Godinho, que se arremessava para a frente, vinha devorando a pista, n'um esforço continuo, admiravelmente montado por um jockey hespanhol. E logo atraz vinham as côres escarlates e brancas de Darque: ao principio ainda pareceu que era Rabbino: mas, apanhado de repente n'um raio obliquo de sol, o cavallo cobriu-se de tons lustrosos de baio claro, e foi uma surpreza ao reconhecer-se que era Vladimiro! A corrida travava-se entre elle e Minhoto.

Os amigos de Godinho, precipitando-se para a pista, bradavam, de chapéos no ar:

- Minhoto, Minhoto!

E, em redor de Carlos, os que tinham apostado pelo campo contra Vladimiro faziam tambem votos por Minhoto, em bicos de pés, junto do parapeito da tribuna, estendendo o braço para elle, enimando-o:

- Anda Minhoto!... Isso, assim!.... Aguenta, rapaz!... Bravo!... Minhoto! Minhoto!

A russa, toda nervosa, na esperança de ganhar a poule, batia as palmas. Até a enorme Craben se erguera, dominando a tribuna, enchendo-a com os seus gorgorões azues e brancos:- em quanto que, ao lado d'ella, o conde de Gouvarinho, tambem de pé, sorria, contente no seu peito de patriota, vendo n'aquelles jockeys à desfilada, nos chapéos que se agitavam, brilhar civilisação...

De repente, de baixo, d'ao pè da tribuna, d'entre os rapazes que cercavam o Darque, uma exclamação partiu.

-Vladimiro ! Vladimiro!

Com um arranque desesperado o potro viera juntar-se a Minhoto: e agora chegavam furiosamente, com brilhos vivos de côres claras, os focinhos juntos, os olhos esbugalhados, sob uma chuva de vergastas.

Telles da Gama, esquecido da sua aposta, todo pelo Darque, seu intimo, berrava por Vladimiro. A russa, de pé n'um degrau, apoiada sobre o hombro de Carlos, pallida, excitada, animava Minhoto com gritinhos, com pancadas de leque. A agitação d'aquelle canto da tribuna estendera-se em baixo ao recinto - onde se via uma linha de homens, contra a corda da pista, bracejando. Do outro lado, era uma fila de rostos pallidos, fixos n'uma curta anciedade. Algumas senhoras tinham-se posto de pé nas carruagens. E atravez da collina, para ver a chegada, dous cavalleiros, segurando com as mãos os chapéos baixos, corriam á desfilada.

- Vladimiro! Vladimiro! foram de novo os gritos isolados, aqui, além.

Os dous cavallos approximavam-se, com um som surdo das patas, trazendo um ar de rajada.

- Minhoto! Minhoto!

- Vladimiro! Vladimiro!

Chegavam... De repente o jockey inglez de Vladimiro, todo em fogo, levantando o potro que lhe parecia fugir d'entre as pernas, esticado e lustroso, fez silvar triumphantemente o chicote, e d'um arremesso directo lançou-o além da meta, duas cabeças adiante de Minhoto, todo coberto d'espuma.

Então em volta de Carlos foi uma desconsolação, um longo murmurio de lassidão.

Todos perdiam; elle apanhava a poule, ganhava as apostas, empolgava tudo. Que sorte! Que chance! Um addido italiano, thesoureiro da poule, empallideceu ao separar-se do lenço cheio de prata: e de todos os lados mãosinhas calçadas de gris-perle, ou de castanho,

atiravam-lhe com um ar amuado as apostas perdidas, chuva de placas que elle recolhia, rindo, no chapéo.

- Ah, monsieur, exclamou a vasta ministra da Baviera, furiosa, mefiez-vous... Vous connaissez le proverbe: heureux au jeu...

- Helas! madame! disse Carlos, resignado, estendendo-lhe o chapéo.

E outra vez um dedo subtil tocou-lhe no braço. Era o secretario de Steinbroken, lento e silencioso, que lhe trazia o seu dinheiro e o dinheiro do seu chefe, a aposta do reino da Filandia.

- Quanto ganha você? exclamou Telles da Gama, assombrado.

Carlos não sabia. No fundo do chapéo já reluzia ouro. Telles contou, com o olho brilhante.

- Você ganha doze libras! disse elle maravilhado, e olhando Carlos com respeito.

Doze libras! Esta somma espalhou-se em redor, n'um rumor de espanto. Doze libras!

Em baixo os amigos de Darque, agitando os chapéos, davam ainda hurrahs. Mas uma indifferença, um tedio lento, ia pesando outra vez, desconsoladoramente. Os rapazes vinham-se deixar cahir nas cadeiras, bocejando, com um ar exhausto. A musica, desanimada tambem, tocava cousas plangentes da Norma.

Carlos, no entanto, n'um degrau da tribuna, com a idéa de descobrir o Damaso, sondava de binoculo o recinto das carruagens. A gente, agora, ia dispersando pela collina. As senhoras tinham retomado a immobilidade melancolica, no fundo das caleches, de mãos no regaço. Aqui e além um dog-cart, mal arranjado, dava um trote curto pela relva. N'uma vittoria estavam as duas hespanholas do Eusebiosinho, a Concha e a Carmen, de sombrinhas escarlates. E sujeitos, de mãos atrás das costas, pasmavam para um char-à-bancs a quatro attrelado á Daumont onde, entre uma familia triste, uma ama de lenço de lavradeira dava de mamar a uma creança cheia de rendas. Dous garotos esganiçados passeavam bilhas d'agua fresca.

Carlos descia da tribuna, sem ter descoberto o Damaso - quando deu justamente de frente com elle, dirigindo-se para a escada, affogueado, flamante, na sua famosa sobrecasaca branca.

- Onde diabo tens tu estado, creatura?

O Damaso agarrou-o pelo braço, alçou-se em bicos de pés, para lhe contar ao ouvido que tinha estado do outro lado com uma gaja divina, a Josephina do Salazar... Chic a valer!

lindamente vestida! parecia-lhe que tinha mulher!

- Ah, Sardanapalo!...

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