"Unleash your creativity and unlock your potential with MsgBrains.Com - the innovative platform for nurturing your intellect." » Portuguese Books » 🌘 🌘 ,,Os Maias'' - de Eça de Queirós🌘 🌘

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Mas a colera outra vez abafou-lhe a voz. E esteve um momento mordendo os beiços, recalcando os soluços, com os olhos reluzentes de lagrimas.

Quando as palavras voltaram, foi uma explosão selvagem:

- Quero-me batter em duello com aquelle malvado, a cinco passos, metter-lhe uma bala no coração!

Outros sons estrangulados escaparam-se-lhe da garganta; e, batendo furiosamente o pé, esmurrando o ar, berrava, sem cessar, como cevando-se na estridencia da propria voz.

- Quero matal-o! Quero matal-o! Quero matal-o!

Depois, allucinado, sem ver Carlos, rompeu a passear desabridamente pelo quarto, ás patadas, com o manto deitado para traz, a espada mal afivelada batendo-lhe as canellas escarlates.

- Então descobriu tudo, murmurou Carlos.

- Está claro que descobriu tudo! exclamou o Ega, no seu passear arrebatado, atirando os braços ao ar. Como descobriu, não sei. Sei isto, já não é pouco. Poz-me fóra!... Hei-de-lhe metter uma bala no corpo! Pela alma de meu pae, hei-de-lhe varar o coração!... Quero que vás lá logo pela manhã com o Craft... E as condições são estas: á pistolla, a quinze passos!

Carlos, agora outra vez sereno, acabava a sua chavena de chá. Depois disse muito simplesmente:

- Meu querido Ega, tu não podes mandar desafiar o Cohen.

O outro estacou de repellão, atirando pelos olhos dois relampagos d'ira - a que as medonhas sobrancelhas de crepe, as duas pennas de gallo ondeando na gorra, davam uma ferocidade theatral e comica.

- Não o posso mandar desafiar?

- Não.

- Então põe-me fóra de casa...

- Estava no seu direito.

- No seu direito!... Diante de toda a gente?...

- E tu, não eras amante da mulher diante de toda a gente?...

O Ega ficou a olhar um momento para Carlos, como atordoado. Depois fez um grande gesto:

- Não se trata da mulher!... não se fallou da mulher!... É uma questão d'honra para mim, quero mandal-o desafiar, quero matal-o...

Carlos encolheu os hombros.

- Tu não estás em ti. Tens só uma coisa a fazer; é ficar ámanhã em casa, a vêr se elle te manda desafiar a ti...

- O que, o Cohen! exclamou Ega. É um covarde, é um canalha!... Ou o mato, ou lhe rasgo a cara com um chicote. Desafiar-me! Olha quem... Tu estás doido...

E recomeçou o seu passear desabalado do espelho para a janella, soprando, rilhando os dentes, com repellões para traz ao manto que faziam oscillar, nas serpentinas, as chammas altas das vellas.

Carlos não dizia nada, de pé junto da meza, enchendo lentamente de novo a sua chavena. Tudo aquillo começava a parecer-lhe pouco serio, pouco digno, as ameaças de pontapés do marido, os furores melodramaticos do Ega: - e mesmo não podia deixar de sorrir diante d'aquelle Mephistopheles esgouroviado, espalhando pelo quarto o brilho escarlate do seu manto de velludo, e a fallar furiosamente d'honra e de morte, com sobrancelhas postiças, e escarcella de coiro á cinta.

- Vamos fallar ao Craft! exclamou de repente Ega, parando, com esta brusca resolução.

Quero vêr o que diz o Craft. Tenho lá em baixo uma tipoia, estamos lá n'um instante!

- Ir agora á quinta, aos Olivaes? disse Carlos, olhando o relogio.

- Se és meu amigo, Carlos!...

Carlos immediatamente, sem chamar o Baptista, acabou de se vestir.

Ega, no entanto, ia preparando uma chavena de chá, deitando-lhe rhum, ainda tão nervoso, que mal podia segurar a garrafa. Depois, com um grande suspiro, accendeu uma cigarrete. Carlos entrára na alcova de banho, ao lado, allumiada por um forte jacto de gaz que assobiava. Fóra, a chuva continuava seguida e monotona, as goteiras escoavam-se no chão molle do jardim.

- Achas que a tipoia aguentará? perguntou Carlos de dentro.

- Aguenta, é o Canhôto, disse Ega.

Agora reparara no dominó, fôra erguel-o, examinava-lhe o setim rico, o bello laço azul claro. Depois, tendo encontrado diante de si o grande espelho-psyché, entalou o monoculo no olho, recuou um passo, contemplou-se d'alto a baixo; - e terminou por pousar uma das mãos na cinta, appoiar a outra, galhardamente, sobre os copos da espada.

- Eu não estava mal, oh Carlos, hein?

- Estavas explendido, respondeu o outro de dentro da alcova. Foi pena estragar-se tudo... Como estava ella?

- Devia estar de Margarida.

- E elle?

- A besta? De beduino.

E continuou ao espelho, gosando a sua figura esguia, as pennas da gorra, os sapatos bicudos de velludo, e a ponta flamante da espada erguendo o manto por traz, n'uma prega fidalga.

- Mas então, disse Carlos, apparecendo a enxugar as mãos, tu não fazes idéa do que se passou, o que elle diria á mulher, o

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