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- É encantadora! murmurou elle.

A mãi sorriu. Tinha acabado de compôr o seu ramo de cravos; - e immediatamente attendeu a Carlos, que pousára a receita sobre a mesa, e sem se apressar, installando-se n'uma poltrona, lhe foi fallando da dieta que devia ter miss Sarah, das colheres de xarope de codeina que se lhe deviam dar de tres em tres horas...

- Pobre Sarah! dizia ella. E é curioso, não é verdade? Veio com o presentimento, quasi com a certeza, que havia de adoecer em Portugal...

- Então vem a detestar Portugal!

- Oh! tem-lhe já horror! Acha muito calor, por toda a parte maus cheiros, a gente hedionda... Tem medo de ser insultada na rua... Emfim é infelicissima, está ardendo por se ir embora...

Carlos ria d'aquellas antipathias saxonias. De resto em muitas coisas a boa miss Sarah tinha talvez razão...

- E v. exc.ª tem-se dado bem em Portugal, minha senhora?

- Ela encolheu os hombros, indecisa.

- Sim... Devo dar-me bem... É o meu paiz.

O seu paiz!... E elle que a julgava brazileira!

- Não, sou portugueza.

E, durante um momento, houve um silencio. Ella tomára de sobre a mesa, abria lentamente um grande leque negro pintado de flôres vermelhas. E Carlos sentia, sem saber porque, uma doçura nova penetrar-lhe no coração. Depois ella fallou da sua viagem que fôra muito agradavel; adorava andar no mar; tinha sido um encanto a manhã da chegada a Lisboa, com um céo azul-ferrete, o mar todo azul tambem, e já um calorzinho de clima dôce... Mas depois, apenas desembarcados, tudo corrra desagradavelmente. Tinham ficado mal alojados no Central. Niniche, uma noite, assustára-os muito com uma indigestão. Em seguida no Porto viera aquelle desastre...

- Sim, disse Carlos, o marido de v. exc.ª, na Praça Nova...

Ella pareceu surprehendida. Como sabia elle? Ah! sim, sabia de certo pelo Damaso...

- São muito amigos, creio eu.

Depois d'uma leve hesitação, que ella comprehendeu, Carlos murmurou:

- Sim... O Damaso vai bastante ao Ramalhete... É de resto um rapaz que eu conheço apenas ha mezes...

Ella abriu os olhos, pasmada.

- O Damaso? Mas elle disse-me que se conheciam desde pequeninos, que eram até parentes...

Carlos encolheu simplesmente os hombros, sorrindo.

- É uma bella illusão... E se isso o faz feliz!...

Ella sorriu tambem, encolhendo tambem ligeiramente os hombros.

- E v. exc.ª, minha senhora, continuou logo Carlos não querendo fallar mais do Damaso, como acha Lisboa?

Gostava bastante, achava muito bonito este tom azul e branco de cidade meridional...

Mas, havia tão poucos confortos!... A vida tinha aqui um ar que ella não pudera perceber ainda - se era de simplicidade ou de pobreza.

- Simplicidade, minha senhora. Temos a simplicidade dos selvagens...

Ella riu.

- Não direi isso. Mas supponho que são como os gregos: contentam-se em comer uma azeitona, olhando o céo que é bonito...

Isto pareceu adoravel a Carlos, todo o seu coração fugiu para ella.

Maria Eduarda queixava-se sobretudo das casas, tão faltas de commodidade, tão despidas de gosto, tão desleixadas. Aquella em que vivia fazia a sua desgraça. A cozinha era atroz, as portas não fechavam. Na sala de jantar havia sobre a parede umas pinturas de barquinhos e collinas que lhe tiravam o appetite...

- Além d'isso, acrescentou, é um horror não ter um quintal, um jardim, onde a pequena possa correr, ir brincar...

- Não é facil encontrar assim uma casa nas condições d'esta e com jardim, disse Carlos.

Deu um olhar ás paredes, ao estuque enxovalhado do tecto - e lembrou-lhe de repente a Quinta do Craft, com a sua vista de rio, o ar largo, as frescas ruas de acacias.

Felizmente, Maria Eduarda tomara a casa apenas ao mez, e estava pensando em ir passar à beira-mar o tempo que tivesse de ficar ainda em Portugal.

- De resto, disse ella, foi o que me aconselhou o meu medico em Paris, o dr. Chaplain.

O dr. Chaplain? Justamente, Carlos conhecia muito o dr. Chaplain. Ouvira-lhe as lições, visitára-o até intimamente na sua propriedade de Maisonnettes, ao pé de Saint-Germain. Era um grande mestre, era um espirito bem superior!

- E tão bom coração! disse ella com um claro sorriso, um olhar que brilhou.

E este sentimento commum pareceu de repente aproximal-os mais dôcemente: cada um n'esse instante adorou o dr. Chaplain: e continuaram ainda fallando d'elle prolongadamente, gozando, através d'essa trivial sympathia por um velho clinico, a nascente concordancia dos seus corações.

O bom dr. Chaplain! Que physionomia tão amavel, tão fina!... empre com o seu barretinho de sêda... E sempre com a sua grande flôr na casaca... De resto, o pratico maior que sahira da geração de Trousseau.

- E Madame Chaplain, acrescentou Carlos, é uma pessoa encantadora... Não é verdade?

Mas Maria Eduarda não conhecia Madame Chaplain.

Dentro o relogio ronceiro começára a bater onze horas. E Carlos então ergueu-se, findando a sua fugitiva, inolvidavel, deliciosa visita...

Quando ella lhe estendeu a mão, um pouco de sangue subiu-lhe de novo á face ao tocar aquella palma tão macia e tão fresca. Pediu os seus comprimentos para Mademoiselle Rosa.

Depois, á porta, já com o reposteiro na mão, voltou-se ainda, uma vez mais, n'uma ultima saudação, a receber o olhar suave com que ella o seguia...

- Até ámanhã, está claro! exclamou ella de repente, com o seu lindo sorriso.

- Até ámanhã, decerto!

O Domingos estava já no patamar, de casaca, risonho e bem penteado.

- É coisa de cuidado, meu senhor?

- Não é nada, Domingos... Estimei vêl-o por aqui.

- E eu muito a v. exc.ª Até ámanhã, meu senhor.

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