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- No emtanto é agradavel que uma senhora possa conversar sobre coisas amenas, sobre o artigo d'uma Revista, sobre... Por exemplo, quando se publica um livro... Emfim, não direi quando se trata d'um Guizot, ou d'um Jules Simon... Mas, por exemplo, quando se trata d'um Feuillet, d'um... Emfim, uma senhora deve ser prendada. Não lhe parece, Netto?

Netto, grave, murmurou:

- Uma senhora, sobretudo quando ainda é nova, deve ter algumas prendas...

Ega protestou, com calor. Uma mulher com prendas, sobretudo com prendas litterarias, sabendo dizer coisas sobre o snr. Thiers, ou sobre o snr. Zola, é um monstro, um phenomeno que cumpria recolher a uma companhia de cavallinhos, como se soubesse trabalhar nas argolas. A mulher só devia ter duas prendas: cozinhar bem e amar bem.

- V. exc.ª decerto, snr. Sousa Netto, sabe o que diz Proudhon?

Não me recordo textualmente, mas...

Em todo o caso v. exc.ª conhece perfeitamente o seu Proudhon?

O outro, muito seccamente, não gostando decerto d'aquelle interrogatorio, murmurou que Proudhon era um author de muita nomeada.

Mas o Ega insistia, com uma impertinencia perfida:

- V. exc.ª leu evidentemente, como nós todos, as grandes paginas de Proudhon sobre o amor?

O snr. Netto, já vermelho, pousou a chavena sobre a mesa. E quiz ser sarcastico, esmagar aquelle moço, tão litterario, tão audaz.

- Não sabia, disse elle com um sorriso infinitamente superior, que esse philosopho tivesse escripto sobre assumptos escabrosos!

Ega atirou os braços ao ar, consternado:

- Oh snr. Sousa Netto! Então v. exc.ª, um chefe de familia, acha o amor um assumpto escabroso?!

O snr. Netto encordoou. E muito direito, muito digno, fallando do alto da sua consideravel posição burocratica:

- É meu costume, snr. Ega, não entrar nunca em discussões, e acatar rodas as opiniões alheias, mesmo quando ellas sejam absurdas...

E quasi voltou as costas ao Ega, dirigindo-se outra vez a Carlos, desejando saber, n'uma voz ainda um pouco alterada, se elle agora se fixava algum tempo mais em Portugal.

Então, durante um momento, acabando os charutos, os dois fallaram de viagens. O snr.

Netto lamentava que os seus muitos deveres não lhe permitissem percorrer a Europa. Em pequeno fôra esse o seu ideal; mas agora, com tantas occupações publicas, via-se forçado a não deixar a carteira. E alli estava, sem ter visto sequer Badajoz...

- E v. exc.ª de que gostou mais, de Paris ou de Londres ?

Carlos realmente não sabia, nem se podia comparar... Duas cidades tão differentes, duas civilisações tão originaes...

- Em Londres, observou o conselheiro, tudo carvão...

Sim, dizia Carlos sorrindo, bastante carvão, sobretudo nos fogões, quando havia frio...

O snr. Sonsa Netto murmurou:

- E o frio alli deve ser sempre consideravel... Clima tão ao norte!...

Esteve um momento mamando o charuto, de palpebra cerrada. Depois, fez esta observação sagaz e profunda:

- Povo pratico, povo essencialmente pratico.

- Sim, bastante pratico, disse vagamente Carlos, dando um passo para a sala, onde se sentiam as risadas cantantes da baroneza.

- E diga-me outra coisa, proseguiu o snr. Sousa Netto, com interesse, cheio de curiosidade intelligente. Encontra-se por lá, em Inglaterra, d'esta litteratura amena, como entre nós, folhetinistas, poetas de pulso?...

Carlos deitou a ponta do charuto para o cinzeiro, e respondeu, com descaro:

- Não, não ha d'isso.

- Logo vi, murmurou Sousa Netto. Tudo gente de negocio.

E penetraram na sala. Era o Ega que assim fazia rir a baroneza, sentado defronte d'ella, fallando outra vez de Celorico, contando-lhe uma soirée de Celorico, com detalhes picarescos sobre as authoridades, e sobre um abbade que tinha morto um homem e cantava fados sentimentaes ao piano. A senhora d'escarlate, no sofá ao lado, com os braços cahidos no regaço, pasmava para aquella veia do Ega como para as destrezas d'um palhaço. D.

Maria, junto da mesa, folheava com o seu ar cansado uma Illustração; e vendo que Carlos ao entrar procurara com o olhar a condessa, chamou-o, disse-lhe baixo que ella fôra dentro vêr Charlie, o pequeno...

- É verdade, perguntou Carlos, sentando-se ao lado d'ella, que é feito d'elle, d'esse lindo Charlie?

- Diz que tem estado hoje constipado, e um pouco murcho...

- A snr.ª D. Maria tambem me parece hoje um pouco murcha.

- É do tempo. Eu já estou na idade em que o bom humor ou o aborrecimento vêm só das influencias do tempo... Na sua idade vem d'outras coisas. E a proposito d'outras coisas: então a Cohen tambem chegou?

Chegou, disse Carlos, mas não tambem. O tambem. O tambem implica combinação...

E a Cohen e o Ega chegaram realmente ambos por acaso... De resto isso é historia antiga, é como os amores de Helena e de Páris.

N'esse instante a condessa voltava de dentro, um pouco afogueada, e trazendo aberto um grande leque negro. Sem se sentar, fallando sobretudo para a mulher do snr. Sousa Netto, queixou-se logo de não ter achado Charlie bem... Estava tão quente, tão inquieto...

Tinha quasi medo que fosse sarampo.- E voltando-se vivamente para Carlos, com um sorriso:

- Eu estou com vergonha... Mas se o snr. Carlos da Maia quizesse ter o incommodo de o vir vêr um instante... É odioso, realmente, pedir-lhe logo depois de jantar para examinar um doente...

- Oh senhora condessa! exclamou elle, já de pé.

Seguiu-a. N'uma saleta, ao lado, o conde e o snr. Sousa Netto, enterrados n'um sofá, conversavam fumando.

- Levo o snr. Carlos da Mala para vêr o pequeno...

O conde erguera-se um pouco do sofá, sem comprehender bem. Já ella passara. Carlos seguiu em silencio a sua longa cauda de sêda preta através do bilhar, deserto, com o gaz acceso, ornado de quatro retratos de damas, da familia dos Gouvarinhos, empoadas e sorumbaticas. Ao lado, por traz de um pesado reposteiro de fazenda verde, era um gabinete, com uma velha poltrona, alguns livros n'uma estante envidraçada, e uma escrevaninha onde pousava um candieiro sob o abat-jour de renda côr de rosa. E ahi, bruscamente, ella parou, atirou os braços ao pescoço de Carlos, os seus labios prenderam-se aos d'elle n'um beijo sôfrego, penetrante, completo, findando n'um soluço de desmaio... Elle sentia aquelle lindo corpo estremecer, escorregar-lhe entre os braços, sobre os joelhos sem força.

- Amanhã, em casa da titi, ás onze, murmurou ella quando pôde fallar.

- Pois sim.

Desprendida d'elle, a condessa ficou um momento com as mãos sobre os olhos, deixando desvanecer aquella languida vertigem, que a fizera côr de cêra. Depois, cansada e sorrindo:

Are sens