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- Oh! isso era o meu sonho! Vou ficar agora toda alterada, cheia d'esperanças... Quando poderei ter uma resposta?

Carlos olhou o relogio. Era já tarde para ir aos Olivaes. Mas logo na manhã seguinte cedo, ia fallar com o dono da casa, seu amigo...

- Quanto incommodo por minha causa! disse ella. Realmente! como lhe hei de eu agradecer?...

Calou-se; mas os seus bellos olhos ficaram um instante pousados nos de Carlos, como esquecidos, e deixando fugir irresistivelmente um pouco do segredo que ella retinha no seu coração.

Elle murmurou:

- Por mais que eu fizesse, ficaria bem pago de tudo se me olhasse outra vez assim.

Uma onda de sangue cobriu toda a face de Maria Eduarda.

- Não diga isso...

- E que necessidade ha que eu lh'o diga? Pois não sabe perfeitamente que a adoro, que a adoro, que a adoro!

Ella ergueu-se bruscamente, elle tambem: - e assim ficaram, mudos, cheios d'anciedade, trespassando-se com os olhos, como se se tivesse feito uma grande alteração no Universo, e elles esperassem, suspensos, o desfecho supremo dos seus destinos... E foi ella que fallou, a custo, quasi desfallecida, estendendo para elle, como se o quizesse afastar, as mãos inquietas e tremulas:

- Escute! Sabe bem o que eu sinto por si, mas escute... Antes que seja tarde ha uma coisa que lhe quero dizer...

Carlos via-a assim tremer, via-a toda pallida... E nem a escutára, nem a comprehendcra.

Sentia apenas, n'um deslumbramento, que o amor comprimido até ahi no seu coração irrompera por fim, triumphante, e embatendo no coração d'ella, através do apparente marmore do seu peito, fizera de lá resaltar uma chamma igual... Só via que ella tremia, só via que ella o amava... E, com a gravidade forte d'um acto de posse, tomou-lhe lentamente as mãos, que ella lhe abandonou, submissa de repente, já sem força, e vencida. E beijava-lh'as ora uma ora outra, e as palmas, e os dedos, devagar, murmurando apenas:

- Meu amor! meu amor! meu amor!

Maria Eduarda cahira pouco a pouco sobre a cadeira; e, sem retirar as mãos, erguendo para elle os olhos cheios de paixão, ennevoados de lagrimas, balbuciou ainda, debilmente, n'uma derradeira supplicação:

- Ha uma coisa que eu lhe queria dizer!...

Carlos estava já ajoelhado aos seus pés.

- Eu sei o que é! exclamou, ardentemente, junto do rosto d'ella, sem a deixar fallar mais, certo de que adivinhára o seu pensamento. Escusa de dizer, sei perfeitamente. É o que eu tenho pensado tantas vezes! É que um amor como o nosso não póde viver nas condições em que vivem outros amores vulgares... É que desde que eu lhe digo que a amo, é como se lhe pedisse para ser minha esposa diante de Deus...

Ella recuava o rosto, olhando-o angustiosamente, e como se não comprehendesse. E

Carlos continuava mais baixo, com as mãos d'ella presas, penetrando-a toda da emoção que o fazia tremer:

- Sempre que pensava em si, era já com esta esperança d'uma existencia toda nossa, longe d'aqui, longe de todos, tendo quebrado todos os laços presentes, pondo a nossa paixão acima de todas as ficções humanas, indo ser felizes para algum canto do mundo, solitariamente e para sempre... Levamos Rosa, está claro, sei que não se póde separar d'ella... E assim viveríamos sós, todos tres, n'um encanto!

- Meu Deus! Fugirmos? murmurou ella, assombrada.

Carlos erguera-se.

- E que podemos fazer? Que outra coisa podemos nós fazer, digna do nosso amor?

Maria não respondeu, immovel, a face erguida para elle, branca de cera. E pouco a pouco uma idéa parecia surgir n'ella, inesperada e perturbadora, revolvendo todo o seu sêr.

Os seus olhos alargavam-se, anciosos e refulgentes.

Carlos ia fallar-lhe... Um leve rumor de passos na esteira da sala deteve-o. Era o Domingos que vinha recolher a bandeja do chá: e durante um momento, quasi interminavel, houve entre aquelles dois sêres, sacudidos por um ardente vendaval de paixão, a caseira

passagera d'um criado arrumando chavenas vazias. Maria Eduarda, bruscamente, refugiou-se detraz das bambinellas de cretone com o rosto contra a vidraça. Carlos foi sentar-se no sofá, a folhear ao acaso uma Illustração, que lhe tremia nas mãos. E não pensava em nada, nem sabia onde estava... Ainda na vespera, havia ainda instantes, conversando com ella, dizia ceremoniosamente «minha cara senhora»: depois houvera um olhar; e agora deviam fugir ambos, e ella tornára-se o cuidado supremo da sua vida, e a esposa secreta do seu coração.

- V. exc.ª quer mais algumna coisa? perguntou Domingos.

Maria Eduarda respondeu sem se voltar:

- Não.

O Domingos sahiu, a porta ficou cerrada. Ella então atravessou a sala, veio para Carlos, que a esperava no sofá, com os braços estendidos. E era como se obedecesse só ao impulso da sua ternura, calmadas já todas as incertezas. Mas hesitou de novo diante d'aquella paixão, tão prompta a apoderar-se de todo o seu sêr, e mumurou, quasi triste:

- Mas conhece-me tão pouco!... Conhece-me tão pouco, para irmos assim ambos, quebrando por tudo, crear um destino que é irreparavel...

Carlos tomou-lhe as mãos, fazendo-a sentar ao seu lado, brandamente:

- O bastante para a adorar acima de tudo, e sem querer mais nada na vida!

Um instante Maria Eduarda ficou pensativa, como recolhida no fundo do seu coração, escutando-lhe as derradeiras agitações. Depois soltou um longo suspiro.

- Pois seja assim! Seja assim... Havia uma coisa que eu lhe queria dizer, mas não importa... É melhor assim!...

E que outra coisa podiam fazer? perguntava Carlos radiante. Era a unica solução digna, séria... E nada os podia embaraçar; amavam-se, confiavam absolutamente um no outro; elle era rico, o mundo era largo...

E ella repetia, mais firme agora, já decidida, e como se aquella resolução a cada momento se cravasse mais fundo na sua alma, penetrando-a toda e para sempre:

- Pois seja assim! É melhor assim!

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