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Página 38

O que podiam querer estes dois homens? Que vinham eles fazer ali àquela hora silenciosa da noite?

O movimento de Álvaro explicou-lhe parte do enigma; o de Loredano ia fazer-lhe compreender o resto.

Com efeito, o italiano que se aproximara da janela, conseguiu com um esforço fazer cair o objeto, que Álvaro ai tinha deixado, no fundo do precipício. isto voltou do mesmo modo, e retirou-se retirou-se o prazer dessa vingança simples, mas cujo alcance ele previa.

Peri não se moveu.

Tinha compreendido com a sua sagacidade natural o amor de um e o ciúme do outro; e formulou na sua inteligência selvagem e na sua adoração fanática um pensamento, que para ele era muito simples.

Se Cecília julgasse que isto devia ser assim, pouco lhe importava o mais; porém, se o que tinha visto lhe causasse uma sombra de tristeza, e empanasse um momento o brilho de seus olhos azuis, então era diferente. O índio sacrificaria tudo, antes do que consentir que um pesar anuviasse o rostinho faceiro de sua bela senhora.

Assim, tranqüilizado por esta idéia, ganhou a cabana, e dormiu sonhando que a lua lhe mandava um raio de sua luz branca e acetinada para dizer-lhe que protegesse sua filha na terra.

E com efeito, a lua se elevava sobre a cúpula das árvores, e iluminava a fachada do edifício.

Então quem se aproximasse de uma das janelas que ficavam na extrema do jardim, veria na penumbra do portal um vulto imóvel.

Era Isabel que velava pensativa, enxugando de vez em quando uma lágrima que desfiava-lhe pela face.

Pensava no seu amor infeliz, na solidão de sua alma, tão erma de recordações doces, de esperanças queridas. Toda essa tarde fora um martírio para ela; vira Álvaro falar a Cecília, adivinhara quase as suas palavras. Há poucos momentos tinha percebido a sombra do moço que atravessara a esplanada, e sabia que não era por sua causa que ele passava.

De vez em quando seus lábios tremiam e deixavam escaparem-se algumas palavras imperceptíveis:

— Se eu quisesse!

Tirava do seio uma redoma de ouro, sob cuja tampa de cristal se via um anel de cabelos que se enroscava no estreito aro de metal.

O que havia dentro desta redoma, de tão poderoso, de tão forte, que justificasse aquela exclamação, e o olhar brilhante que iluminava a pupila negra de Isabel?

Seria um segredo, um desses segredos terríveis que mudam de repente a face das coisas, e fazem surgir o passado para esmagar o presente?

Seria algum tesouro inestimável e fabuloso, a cuja sedução a natureza humana não devia resistir?

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Seria uma arma poderosa e invencível, contra a qual não houvesse defesa possível senão em um milagre da Providência? Era o pó sutil do curare, o veneno terrível dos selvagens. Isabel colou os lábios no cristal com uma espécie de delírio. — Minha mãe!... minha mãe!.. Um soluço rompeu-lhe o seio.

X AO ALVORECER

No dia seguinte, ao raiar da manhã, Cecília abriu a portinha do jardim e aproximou-se da cerca.

— Peri! disse ela.

O índio apareceu à entrada da cabana; correu alegre, mas tímido e submisso.

Cecília sentou-se num banco de relva; e a muito custo conseguiu tomar um arzinho de severidade, que de vez em quando quase traia-se por um sorriso teimoso que lhe queria fugir dos lábios.

Fitou um momento no índio os seus grandes olhos azuis com uma expressão de doce repreensão; depois disse-lhe em um tom mais de queixa do que de rigor:

— Estou muito zangada com Peri!

O semblante do selvagem anuviou-se.

— Tu, senhora, zangada com Peri! Por quê?

— Porque Peri é mau e ingrato; em vez de ficar perto de sua senhora, vai caçar em risco de morrer! disse a moça ressentida.

— Ceci desejou ver uma onça viva!

— Então não posso gracejar? Basta que eu deseje uma coisa para que tu corras atrás dela como um louco?

— Quando Ceci acha bonita uma flor, Peri não vai buscar? perguntou o índio.

— Vai, sim.

— Quando Ceci ouve cantar o sofrer, Peri não o vai procurar?

— Que tem isso?

— Pois Ceci desejou ver uma onça, Peri a foi buscar.

Cecília não pôde reprimir um sorriso ouvindo esse silogismo rude, a que a linguagem singela e concisa do índio dava uma certa poesia e originalidade.

Mas estava resolvida a conservar a sua severidade, e ralhar com Peri por causa do susto que lhe havia feito na véspera.

— Isto não é razão, continuou ela; porventura um animal feroz é a mesma coisa que um pássaro, e apanha-se como uma flor?

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