— Senhora!... balbuciou o moço pálido e abatido.
Cecília levantou os olhos, e viu no rosto de Álvaro tanta amargura e desespero, que sentiu-se comovida.
— Não me acuseis do que sucede, disse ela com a voz meiga, a culpa é vossa.
— Eu o sinto; e não me queixo.
— Bem vistes que não podendo aceitar, pedi que a conservásseis como uma lembrança.
— Oh! eu a conservarei ainda: ela me ensinará a expiar a minha falta, e ma recordará sempre.
— Será agora uma triste recordação.
— E posso-as eu ter alegres!
— Quem sabe! disse Cecília desentrançando dos seus cabelos louros um jasmim; é tão doce esperar!
Voltando-se para esconder o rubor de suas faces, Cecília viu perto a Isabel que devorava esta cena com um olhar ardente.
A menina soltou um grito de susto e entrou rapidamente no jardim, Álvaro apanhou no ar a pequena flor que se escapara dos dedos de Cecília e beijou-a julgando que ninguém ali estava. Quando o cavalheiro deu com os olhos na moça, ficou tão perturbado que deixou cair o jasmim sem sentir.
Isabel apanhou-o; e apresentando-o a Álvaro, disse com um acento de voz inimitável:
— É também uma restituição!
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Álvaro empalideceu.
A moça, trêmula, passou diante dele, e entrou no quarto de sua prima.
Cecília vendo chegar Isabel corou e não se animou a levantar os olhos, lembrando-se do que ela tinha visto e ouvido: pela primeira vez a inocente menina conhecia que havia na sua pura afeição alguma coisa que se escondia aos olhos dos outros.
Isabel, entrando no aposento da prima ao qual fora arrastada por um sentimento irresistível, arrependera-se imediatamente; a perturbação que sentia era tão grande, que temeu trair-se; encostou-se no leito defronte de Cecília, muda e com os olhos cravados no chão.
Assim passou-se um longo intervalo; depois as duas moças quase ao mesmo tempo ergueram a cabeça; e lançaram um olhar para a janela; seus olhos se encontraram, e ambas coraram ainda mais.
Cecília revoltou-se; a menina alegre e travessa que conservava num cantinho do coração, sob os risos e as graças, o germe da firmeza de caráter que distinguia seu pai, sentiu-se ofendida por se ver obrigada a corar de vergonha diante de outrem, como se tivesse cometido uma falta.
Revestiu-se de coragem e tomou uma resolução cuja energia se desenhava em um movimento imperceptível das sobrancelhas.
— Isabel, abre esta janela.
A moça estremeceu como se uma faisca elétrica tivesse abalado o seu corpo; hesitou, mas por fim atravessou o aposento.
Dois olhares ávidos, ardentes, caíram sobre a janela no momento em que se abriu. Nada havia ali.
A emoção que teve Isabel foi tão forte, que involuntariamente voltou-se para sua prima soltando uma exclamação de prazer; sua fisionomia iluminou-se com um desses reflexos divinos, que parecem descer do céu sobre a cabeça da mulher que ama.
Cecília olhava sua prima sem compreendê-la; mas a pouco e pouco a admiração e o espanto desenharam-se no semblante da menina.
— Isabel!...
A moça caiu de joelhos aos pés de Cecília.
Tinha-se traído.
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XIV A ÍNDIA
Peri apenas sentiu voltarem-lhe as forças, continuou a sua marcha através da floresta.
Por muito tempo seguiu as pegadas da índia pelo meio do mato com uma rapidez e uma certeza incríveis para quem não conhecer a facilidade com que os selvagens percebem os mais fracos vestígios que deixam as pisadas de um animal qualquer.
Um ramo quebrado, o capim abatido, as folhas secas espalhadas e partidas, um galho que ainda se agita, as pérolas do orvalho desfeitas, são aos seus olhos exercitados o mesmo que uma linha traçada na floresta, e que eles seguem sem hesitação.
Uma razão havia para que Peri se encarniçasse assim em perseguir aquela índia inofensiva, e a fazer esforços inauditos a fim de agarrá-la.
Para bem compreender esta razão, é necessário conhecer alguns acontecimentos que se haviam passado nos últimos dias pelas vizinhaças do Paquequer.
No fim da lua das águas, uma tribo de Aimorés descera das eminências da Serra dos Órgãos para fazer a colheita dos frutos e preparar os vinhos, bebidas e diversos alimentos de que costumava fazer provisão.
Uma família dessa tribo trazida pela caça aparecera há dias nas margens do Paraíba; compunha-se de um selvagem, sua mulher, um filho e uma filha.
Esta última era uma bela índia, cuja posse se disputavam todos os guerreiros Aimorés; seu pai, o chefe da tribo, sentia o orgulho de ter uma filha tão formosa, como a mais linda seta do seu arco, ou a mais vistosa pena do seu cocar.
Estamos no domingo.