"Unleash your creativity and unlock your potential with MsgBrains.Com - the innovative platform for nurturing your intellect." » Portuguese Books » "O Guarani" José de Alencar

Add to favorite "O Guarani" José de Alencar

Select the language in which you want the text you are reading to be translated, then select the words you don't know with the cursor to get the translation above the selected word!




Go to page:
Text Size:

O cão pertencia à índia; fora ela pois quem o havia estrangulado há bem poucos momentos, porque a fratura do pescoço era de natureza a produzir a morte quase imediatamente.

Mas por que motivo tinha feito essa barbaridade?— Porque, respondia o espírito do índio, ela sabia que era perseguida, e o cão que a não podia acompanhar serviria para denunciá-la.

Apenas formulou este pensamento, Peri deitou-se e auscultou o seio da terra por muito tempo; duas vezes ergueu a cabeça julgando iludir-se, e encostou de novo o ouvido ao chão.

Quando levantou-se, o seu rosto exprimia grande surpresa e admiração; tinha ouvido alguma coisa de que parecia duvidar ainda, como se os seus sentidos o iludissem.

Caminhou para o lado do nascente, auscultando a terra a cada momento, e assim chegou a alguns passos de uma grande touça de cardos que se elevava numa baixa do terreno.

Então colocando-se de encontro ao vento, aproximou-se com toda cautela e ouviu um murmúrio de vozes confusas, e o som de um instrumento que cavava a terra.

Página 59

Peri aplicou o ouvido e procurou ver o que se passava além, mas era impossível; nem uma aberta, nem uma fresta davam passagem ao som ou ao olhar.

Só quem tem viajado nos sertões e visto esses cardos gigantes, cujas largas palmas crivadas de espinhos se entrelaçam estreitamente formando uma alta muralha de alguns pés de grossura, poderá fazer idéia da barreira impenetrável que cercava por todos os lados as pessoas cuja voz Peri ouvia sem distinguir as palavras.

Entretanto esses homens deviam ter ai entrado por alguma parte; e não podia ser senão pelo galho de uma árvore seca que se estendia sobre os cardos, e ao qual se enroscava um cipó nodoso e forte como uma vide.

Peri estudava a posição, e tratava de descobrir o meio de saber o que se passava atrás daquelas árvores, quando uma voz que julgou reconhecer exclamou:

Per Dio! ei-la!

O índio estremeceu ouvindo esta voz, e resolveu a todo o custo conhecer o que faziam aqueles homens; pressentiu que havia ali um perigo a conjurar, e um

inimigo a combater. Inimigo talvez mais terrível do que os Aimorés, porque se estes eram feras, aquele podia ser a serpente escondida entre as folhas e a relva.

Assim esqueceu tudo, e o seu pensamento concentrou-se numa única idéia, ouvir o que aqueles homens diziam.

Mas por que meio?

Era o que Peri procurava: tinha rodeado a touça aplicando o ouvido, e pareceu-lhe que em um lugar o ruído das vozes e do ferro que continuava a cavar, lhe chegava mais distinto.

O índio abaixou os olhos, que brilhavam de contentamento.

O que produzira essa agradável impressão fora um simples montículo de barro gretado, que se elevava como um pão de açúcar dois palmos acima da terra, e que estava encoberto por folhas de tanchagem.

Era a entrada de um formigueiro, de uma dessas casas subterrâneas construídas pelos pequenos arquitetos que à força de paciência e trabalho minam um campo inteiro, e formam verdadeiras abóbadas debaixo da terra.

Aquele que Peri descobrira tinha sido abandonado pelos seus habitantes, em virtude da enxurrada que penetrara no pequeno subterrâneo.

O índio tirou a sua faca, e cerceando a cúpula dessa torre em miniatura, deixou a descoberto um buraco que penetrava pelo interior da terra, e decerto ia ter à baixa onde estavam reunidas as pessoas que conversavam.

Este buraco tornou-se para ele uma espécie de tubo acústico, que lhe trazia as palavras claras e distintas.

Sentou-se e ouviu.

Página 60

XV OS TRÊS

Loredano que nessa mesma manhã saíra de casa tão cedo, apenas se entranhou na mata, esperou.

Um quarto de hora depois vieram ter com ele Bento Simões e Rui Soeiro.

Os três seguiram juntos sem dar uma palavra; o italiano caminhava adiante, e os dois aventureiros o acompanhavam trocando de vez em quando um olhar significativo.

Por fim Rui Soeiro rompeu o silêncio:

— Não foi decerto para espairecer pelos matos ao romper da alva, que nos fizestes vir aqui, misser Loredano?

— Não, respondeu o italiano laconicamente.

— Mas então desembuchai de uma vez, e não percamos tempo.

— Esperai!

— Que espereis, vos digo eu, atalhou Bento Simões, ides numa batida... Onde nos pretendeis levar nesta marcha?

— Vereis.

— Já que não há meio de vos sacar mais palavra, segui com Deus, misser Loredano.

— Sim, acudiu Rui Soeiro, segui; que nós tornamos por onde viemos.

— Quando estiverdes de vez para falar, nos avisareis.

E os dois aventureiros pararam dispostos a retroceder; o italiano voltou-se com um gesto de desprezo.

Are sens

Copyright 2023-2059 MsgBrains.Com