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Na sexta-feira, eram dez horas da manhã, Peri atravessava a mata imitando alegremente o canto do saixê, cujas notas sibiladas ele traduzia pelo doce nome de Ceci.

Ia então em procura desse animal que tão importante papel representa nesta história, especialmente depois de morto; como não o satisfazia qualquer pequeno jaguar, assentara buscar nos seus próprios domínios um dos reis das grandes florestas que corriam ao longo do Paraíba.

Cecília havia dito uma palavra, e ele que não discutia os desejos de sua senhora, tomara o seu arco e seu clavinote e se tinha posto a caminho. Chegava a um pequeno regato, quando um cãozinho felpudo saiu do mato, e logo depois uma índia que deu dois passos e caiu ferida por uma bala.

Peri voltou-se para ver donde partia o tiro, e reconheceu D. Diogo de Mariz que se aproximava lentamente acompanhado por dois aventureiros.

O moço ia atirar a um pássaro, e a índia que passava nesse momento, recebera a carga da espingarda e caíra morta.

O cãozinho lançou-se para sua senhora Uivando, lambendo-lhe as mãos frias e rogando a cabeça pelo corpo ensangüentado como procurando reanimá-la. D.

Diogo, apoiado sobre o arcabuz, volvia um olhar de piedade sobre essa moça vitima de um capricho de caçador, que não desejava perder a sua pontaria.

Quanto a seus companheiros, riam-se do acontecimento e divertiam-se a fazer comentários sobre a qualidade de caça que o cavalheiro tinha escolhido.

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De repente o cãozinho que acariciava sua senhora morta, ergueu a cabeça, farejou o ar, e partiu como uma flecha.

Peri que tinha sido testemunha muda desta cena, aconselhou a D. Diogo que se recolhesse à casa por prudência, e continuou a sua caminhada.

O espetáculo que acabava de presenciar o entristecera; lembrou-se de sua tribo, de seus irmãos que ele havia abandonado há tanto tempo, e que talvez àquela hora eram também vitimas dos conquistadores de sua terra, onde outrora viviam livres e felizes.

Tendo andado cerca de meia légua, avistou ao longe um fogo na mata; ao redor estavam sentados dois selvagens e uma índia.

O mais velho, de estatura gigantesca, engastava as presas longas e aguçadas da capivara nas pontas de canas silvestres, e afiava numa pedra essa arma terrível.

O mais moço enchia de pequenas sementes pretas e vermelhas um fruto oco, ornado de penas e preso a um cabo de dois palmos de comprimento.

A mulher, que ainda era moça, cardava uma porção de algodão cujos flocos alvos e puros caiam sobre uma grande folha que tinha no regaço.

Junto do fogo havia um pequeno vaso vidrado com brasas no qual a índia de vez em quando deitava umas grandes folhas secas, que levantavam grossos novelos de fumo. Então os dois índios por meio de uma taboca aspiravam as baforadas deste fumo, até que os olhos lhes choravam; depois continuavam o seu trabalho.

No momento em que Peri examinava de longe esta cena, o cãozinho saltava no meio do grupo: o animal apenas respirou da corrida em que vinha, puxou com os dentes a trota de penas do índio mais moço, que o atirou a quatro passos com um empurrão.

Aproximou-se então da índia, repetiu o mesmo movimento; e como fosse mal acolhido ainda, saltou sobre o algodão, e mordeu-o: a mulher tomou-o pela coleira de frutos que trazia ao pescoço, sacudiu-o pelas costas, e arranjou as suas pastas; mas estavam tintas de sangue.

Examinou com inquietação o animal; e não o vendo ferido, lançou os olhos ao redor de si e soltou um grito rouco e gutural; os dois índios ergueram a cabeça interrogando com os olhos a causa dessa exclamação.

Por toda resposta, a índia mostrou o sangue que cobria o animal, e pronunciou com a voz cheia de aflição uma palavra de uma língua desconhecida, e que Peri não entendeu.

O índio mais moço saltou pela floresta como um campeiro atrás do cãozinho que lhe servia de guia; o velho e a mulher o seguiram de perto.

Peri compreendeu perfeitamente o que se passava, e seguiu seu caminho pensando que os colonos já deviam àquela hora estar fora do alcance dos selvagens.

Era isto o que o índio tinha visto; o que ele ignorava, o acontecimento do banho lhe revelara claramente.

Os selvagens haviam encontrado o corpo de sua filha, e reconhecido o sinal da bala; por muito tempo procuraram debalde as pisadas dos caçadores, até que no dia seguinte a cavalgata que passava serviu-lhes de guia.

Toda a noite rondaram em torno da habitação, e nessa manhã vendo sair as duas moças, resolveram vingar-se com a aplicação dessa lei de talião que era o único princípio de direito e justiça que reconheciam.

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Tinham morto sua filha, era justo que matassem também a filha do seu inimigo; vida por vida, lágrima por lágrima, desgraça por desgraça.

Como pretenderam realizar a sua vingança e o fim que tiveram, já sabemos; os dois selvagens dormiam para sempre nas margens do Paquequer, sem que uma mão amiga lhes viesse dar sepultura.

Agora é fácil conhecer a razão por que Peri perseguia a índia, resto da infeliz família sabia que ela ia direito ter com seus irmãos, e que à primeira palavra que proferisse, toda a tribo se levantaria como um só homem para vingar a morte do seu cacique e a perda da mais bela filha dos Aimorés.

Ora, o índio conhecia a ferocidade desse povo sem pátria e sem religião, que se alimentava de carne humana e vivia como feras, no chão e pelas grutas e cavernas; estremecia só com a idéia de que pudesse vir assaltar a casa de D.

Antônio de Mariz.

Era preciso pois exterminar toda a família e não deixar nem um vestígio de sua passagem.

Fazendo estas reflexões, Peri tinha gasto perto de uma hora a percorrer a floresta inutilmente; a índia ganhara um grande avanço durante o tempo em que ele lutava contra o desfalecimento produzido pela ferida. Por fim julgou que o mais prudente era avisar a D. Antônio imediatamente, a fim de que tomasse todas as medidas de prevenção que exigia a iminência do perigo.

Tinha chegado a um campo coberto por algumas moitas de carrascos, que se destacavam aqui e ali sobre um capim áspero e queimado pelo sol.

Apenas o índio deu alguns passos para atravessar o campo, parou fazendo um gesto de surpresa; diante dele arquejava um cãozinho, que reconheceu pela coleira de frutos escarlates que tinha ao pescoço.

Era o mesmo que há dois dias encontrara na floresta, e que naturalmente seguia a índia no momento em que ela fugia; o índio não o tinha visto por causa das guaximas.

O animal mostrava ter sido estrangulado por uma torção tão violenta, que lhe partira a coluna vertebral; entretanto ainda agonizava.

Do primeiro lanço de olhos Peri tinha visto tudo isto, e calculado o que se havia passado.

Aquela morte, pensava ele, não podia ter sido feita senão por uma criatura humana; qualquer outro animal usaria dos dentes ou das garras, e deixaria traços de ferimento.

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