Loredano pronunciou estas palavras com a maior calma, contemplando os dois aventureiros pálidos e humilhados diante dele.
Passou-se algum tempo em silêncio.
— Já vedes, disse o italiano, que estais na minha mão; sirva-vos isto de exemplo.
Quando uma vez se pôs o pé sobre o precipício, amigos, é preciso caminhar por cima dele, para não rolar e ir ao fundo. Caminhemos pois. Só de uma coisa vos advirto;— de hoje em diante obediência cega e passiva!
Os dois aventureiros não disseram palavra; porém a sua atitude respondia melhor do que mil protestos.
— Agora deixai essa cara triste e consternada. Estou vivo: e D. Antônio é um verdadeiro fidalgo incapaz de abrir um testamento. Criai esperança, confiai em mim, que breve alcançaremos a meta.
A fisionomia de Bento Simões reanimou-se.
— Falai claro uma vez ao menos, retrucou Rui Soeiro.
— Não aqui; segui-me, que vos levarei a um lugar onde conversaremos à vontade.
— Esperai, acudiu Bento Simões; antes de tudo, reparação vos é devida. Há pouco vos ameaçamos; aqui tendes as nossas armas.
— Sim, depois do que se passou, é justo que desconfieis de nós; tomai.
Os dois tiraram os punhais e as espadas.
— Guardai as vossas armas, disse Loredano escarnecendo, servirão para me defenderdes. Eu sei quanto vos é preciosa e cara a minha existência!
Ambos os aventureiros empalideceram, e seguiram o italiano, que depois de uma meia hora de caminho chegou à touça de cardos que já descrevemos.
A um sinal de Loredano, os seus companheiros subiram à árvore, e desceram pelo cipó ao centro dessa área cercada de espinhos, que tinha quando muito três braças de comprimento sobre duas de largura.
De um lado, na quebrada que fazia o terreno, via-se uma espécie de grata ou abóbada, restos desses grandes formigueiros que se encontram pelos nossos campos, já meio aluídos pela chuva. Neste lagar, à sombra de um pequeno arbusto que nascera entre os cardos, sentaram-se os três aventureiros.
— Oh! disse o italiano imediatamente; há algum tempo já que não venho dessas bandas; mas parece-me que ainda deve haver aqui o quer que seja que vos dará no goto.
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Reclinou-se, e estendendo o braço pela cava retirou uma botija que ali estava deitada, e que colocou no meio do grupo.
— É de Caparica, mas do bom. Deste cá não vem!
— Diabo! tendes uma adega!... exclamou Bento Simões a quem a vista da botija tinha restituído todo o bom humor.
— A falar a verdade, disse Rui, esperaria tudo, menos ver sair deste buraco uma botija de vinho.
— É para verdes! Como costumo vir a este lugar, onde às vezes passo bem boas soalheiras, precisava ter um companheiro com quem espairecesse.
— E não podíeis achar melhor! disse Bento Simões dando uma empinadela à botija e estalando a língua. Já lhe tinha saudades!
Cada um dos três tomou a sua vez de vinho e a botija voltou ao seu lugar.
— Bom, disse o italiano, agora tratemos do que serve. Prometi, quando vos convidei a seguir-me, que vos faria ricos, muito ricos.
Os dois inclinaram a cabeça.
— A promessa que vos fiz vai-se realizar: a riqueza está aqui perto de nós, podemos tocá-la.
— Onde? perguntaram os aventureiros lançando um olhar ávido em roda.
— Não vai assim também; fala-se figuradamente. Digo que a riqueza está diante de nós, mas para nos apoderarmos dela é preciso...
— O quê? Dizei?
— A seu tempo; agora quero contar-vos uma história.
— Uma história! replicou Rui Soeiro.
— Da carocha? perguntou Bento Simões.
— Não, uma história verídica como uma bula do nosso santo padre. Ouvistes falar algum dia, em um certo Robério Dias?
— Robério Dias... Ah! sei! um tal do São Salvador? disse Rui Soeiro.
— O mesmo, sem tirar nem pôr.
— Vi-o há coisa de oito anos em São Sebastião, donde se passou às Espanhas.
— E sabeis o que ia fazer às Espanhas esse digno descendente de Caramuru, amigo Bento Simões? perguntou o italiano.
— Ouvi rosnar que se tratava de um tesouro fabuloso que contava oferecer a Filipe 11, o qual em volta o faria marquês, e grande fidalgo de sua casa.