— E o resto, não vos chegou à noticia?
— Não; nunca mais ouvi falar do tal Robério Dias.
— Pois ouvi lá; chegando a Madri, o homem fez a sua oferta mui lampeiro; e foi recebido na palma das mãos por el-rei Filipe 1I que, como sabeis, tinha as unhas demasiado longas.
— E cinzou-o como uma raposa que era? acudiu Rui Soeiro.
— Enganai-vos; dessa vez a raposa tornara-se macaco; quis ver o coco antes de pagá-lo.
— E então?
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— Então, disse o italiano sorrindo maliciosamente, o coco estava oco.
— Como oco?
— Sim, amigo Rui, tinham-lhe deixado apenas as cascas; felizmente para nós, que vamos lograr o miolo.
— Sois um homem de caixas encouradas, Loredano!
— Dá-se a gente a tratos, e não é possível entender-vos.
— Tenho culpa eu, que não sejais lido na história das coisas de vossa terra?
— Nem todos são mitrados como vós, dom italiano.
— Bom, acabemos de uma vez; o que Robério Dias julgava oferecer em Madri a Filipe 11, amigos, está aqui!
E Loredano dizendo estas palavras assentou a mão sobre um seixo que havia ao lado.
Os dois aventureiros olharam-se sem compreender, e duvidando da razão de seu companheiro. Quanto a este, sem se importar com o que eles pensavam, tirou a espada, e depois de desenterrar a pedra, começou a cavar.
Enquanto prosseguia neste trabalho, os dois observando-o passavam alternadamente a botija de vinho, e faziam conjeturas e suposições.
O italiano já cavava há tempo, quando o ferro tocou num objeto duro, que o fez tinir.
— Per Dio, exclamou, ei-la!
Daí a alguns momentos retirava do buraco um desses vasos de barro vidrado, a que os índios chamavam camuci; este era pequeno e fechado por todos os lados.
Loredano tomando-o pelas duas mãos abalou-o e sentiu o imperceptível vascolejar que fazia dentro um objeto qualquer.
— Aqui tendes, disse ele lentamente, o tesouro de Robério Dias; pertence-nos.
Um pouco detento, e seremos mais ricos que o sultão de Bagdá, e mais poderosos que o doge de Veneza.
O italiano bateu sobre a pedra com o vaso que se partiu em pedaços.
Os aventureiros, com os olhares incendidos de cobiça, esperando ver correr ondas de ouro, de diamantes e esmeraldas, ficaram estupefatos. Do bojo do vaso saltara apenas um pequeno rolo de pergaminho coberto por um couro avermelhado, e atado em cruz por um fio pardo.
Loredano com a ponta do punhal rompeu o laço, e abrindo rapidamente o pergaminho, mostrou aos aventureiros um rótulo escrito em grandes letras vermelhas.
Rui Soeiro soltou um grito: Bento Simões começou a tremer de prazer, de pasmo e admiração.
Passado um momento, o italiano estendeu a mão para o papel colocado no meio do grupo; seus olhos tomaram uma expressão dura.
— Agora, disse ele com a sua voz vibrante, agora que tendes a riqueza e o poder ao alcance da mão, jurai que o vosso braço não tremerá quando chegar a ocasião; que obedecereis ao meu gesto, à minha palavra, como à lei do destino.
— Juramos!
— Estou cansado de esperar, e resolvido a aproveitar o primeiro ensejo. A mim como chefe, disse o italiano com um sorriso diabólico, devia pertencer D. Antônio de Mariz; eu vo-lo
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cedo, Rui Soeiro Bento Simões terá o escudeiro. Eu reclamo para mim Álvaro de Sá, o nobre cavalheiro.
— Aires Gomes vai-se ver numa dança! disse Bento Simões com um aspecto marcial.
— Os mais, se nos incomodarem, irão depois; se nos acompanharem serão bem-vindos. Unicamente vos aviso que aquele que tocar a soleira da porta da filha de D. Antônio de Mariz, é um homem morto; essa é a minha parte na presa! E a parte do leão.
Nesse momento ouviu-se um rumor como se as folhas se tivessem agitado. Os aventureiros não fizeram reparo, e atribuíram naturalmente ao vento.
— Mais alguns dias, amigos, continuou Loredano, e seremos ricos, nobres, poderosos como um rei. Tu, Bento Simões, serás marquês de Paquequer; tu, Rui Soeiro, duque das Minas; eu...
Que serei eu, disse Loredano com um sorriso que iluminou a sua fisionomia inteligente. Eu serei...
Uma palavra partiu do seio da terra, surda e cavernosa, como se uma voz sepulcral a houvesse pronunciado: