Estas palavras foram acompanhadas de um olhar de ameaça, em que se revelava a ferocidade do tigre que defende os seus cachorrinhos.
— Mãe, não ofende a senhora; Peri morreria, e na última hora não se lembraria de ti. Os dois ficaram algum tempo em silêncio.
— Tua mãe fica! disse a índia com um acento de resolução.
— E quem será a mãe da tribo? Quem guardará a cabana de Peri? Quem contará aos pequenos as guerras de Ararê, forte entre os mais fortes? Quem dirá quantas vezes a nação Goitacá levou o fogo à taba dos brancos e venceu os homens do raio? Quem há de preparar os vinhos e as bebidas para os guerreiros, e ensinar aos filhos os costumes dos velhos?
Peri preferiu estas palavras com a exaltação, que despertavam nele as reminiscências de sua vida selvagem; a índia ficou pensativa e respondeu:
— Tua mãe volta; vai te esperar na porta da cabana, à sombra do jambeiro; se a flor do jambo vier sem Peri, tua mãe não verá os frutos da árvore.
A índia pousou as mãos sobre os ombros de seu filho, e encostou a fronte na fronte dele; durante um momento as lágrimas que saltavam dos olhos de ambos, se confundiram.
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Depois ela afastou-se lentamente; Peri seguiu-a com os olhos ate que desapareceu na floresta; esteve a correr, chamá-la e partir com ela. Mas o vento lhe trazia a voz argentina de Cecília que falava com seu pai; ficou.
Nessa mesma noite construirá aquela pequena cabana que se via na ponta do rochedo, e que ia ser o seu mundo.
Passaram três meses.
Cecília que um momento conseguira vencer a repugnância que sentia pelo selvagem, quando lhe ordenara que ficasse, não se lembrou da ingratidão que cometia e não disfarçou mais a sua antipatia.
Quando o índio chegava-se a ela, soltava um grito de susto; ou fugia, ou ordenava-lhe que se retirasse; Peri que já falava e entendia o português, afastava-se triste e humilde.
Entretanto a sua dedicação não se desmentia; ele acompanhava a D. Antônio de Mariz nas suas excursões, ajudava-o com a sua experiência, guiava-o aos lugares onde havia terrenos auríferos ou pedras preciosas. De volta destas expedições corria todo o dia os campos para procurar um perfume, uma flor, um pássaro, que entregava ao fidalgo e pedia-lhe desse a Ceci, pois já não se animava a chegar-se para ela, com receio de desgostá-la.
Ceci era o nome que o índio dava à sua senhora, depois que lhe tinham ensinado que ela se chamava Cecília.
Um dia a menina ouvindo chamar-se assim por ele e achando um pretexto para zangar-se contra o escravo humilde que obedecia ao seu menor gesto, repreendeu-o com aspereza:
— Por que me chamas tu Ceci? O índio sorriu tristemente.
— Não sabes dizer Cecília?
Peri pronunciou claramente o nome da moça com todas as sílabas; isto era tanto mais admirável quanto a sua língua não conhecia quatro letras, das quais uma era o L.
— Mas então, disse a menina com alguma curiosidade, se tu sabes o meu nome, por que não o dizes sempre?
— Porque Ceci é o nome que Peri tem dentro da alma.
— Ah! é um nome de tua língua?
— Sim.
— O que quer dizer?
— O que Peri sente.
— Mas em português?
— Senhora não deve saber.
A menina bateu com a ponta do pé no chão e fez um gesto de impaciência. D.
Antônio passava; Cecília correu ao seu encontro:
— Meu pai, dizei-me o que significa Ceci nessa língua selvagem que falais.
— Ceci? ... disse o fidalgo procurando lembrar-se. Sim! É um verbo que significa doer, magoar.
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A menina sentiu um remorso; reconheceu a sua ingratidão; e lembrando-se do que devia ao selvagem e da maneira por que o tratava, achou-se má, egoísta e cruel.
— Que doce palavra! disse ela a seu pai; parece um canto de pássaro.
Desde este dia foi boa para Peri; pouco a pouco perdeu o susto; começou a compreender essa alma inculta; viu nele um escravo, depois um amigo fiel e dedicado.
— Chama-me Ceci, dizia às vezes ao índio sorrindo-se; este doce nome me lembrará que fui má para ti; e me ensinará a ser boa.
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V VILANIA
E tempo de continuar esta narração interrompida pela necessidade de contar alguns fatos anteriores.
Voltemos pois ao lagar em que se achavam Loredano e seus companheiros tomados de medo pela exclamação inesperada que soara no meio deles.