— Não faleis assim, Isabel, que me partis a alma.
— E como quereis que fale? Mentir-vos é impossível; depois daquele dia, em que trai o meu segredo, de escravo que ele era tornou-se senhor, senhor despótico e absoluto. Sei que vos faço sofrer...
— Nunca disse semelhante coisa!
— Sois bastante generoso para dizê-lo, mas sentis. Eu conheço, eu leio nos vossos menores movimentos. Vós me estimais talvez como irmão, mas fugis de mim, e tendes receio que Cecília pense que me amais; não é verdade?
— Não, exclamou Álvaro insensivelmente; tenho receio, tenho medo... mas é de amar-vos!
Isabel sentiu uma comoção tão violenta ouvindo as palavras rápidas do moço, que ficou como estática sem fazer um movimento; as palpitações fortes do seu coração a sufocavam.
Álvaro não estava menos comovido; subjugado por aquele amor ardente, impressionado pela abnegação da menina que expunha sua vida só para acompanhá-lo de longe com um olhar e protegê-lo com a sua solicitude, tinha deixado escapar o segredo da luta que se passava em sua alma.
Mas apenas pronunciara aquelas palavras imprudentes, conseguiu dominar-se, e tornando-se frio e reservado, falou a Isabel em um tom grave.
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— Sabeis que amo Cecília; mas ignorais que prometi a seu pai ser seu marido.
Enquanto ele por sua livre vontade não me desligar de minha promessa, estou obrigado a cumpri-la. Quanto ao meu amor, este me pertence, e só a morte me pode desligar dele. No dia em que eu amasse outra mulher que não ela, me condenaria a mim mesmo como um homem desleal.
O moço voltou-se para Isabel com um triste sorriso:
— E compreendeis o que faz um homem desleal que tem ainda a consciência precisa para se julgar a si?
Os olhos da moça brilharam com um fogo sinistro:
— Oh! compreendo!... É o mesmo que faz a mulher que ama sem esperança, e cujo amor é um insulto ou um sofrimento para aquele a quem ama!
— Isabel!... exclamou Álvaro estremecendo.
— Tendes razão! Só a morte pode desligar de um primeiro e santo amor aos corações como os nossos!
— Deixai-vos dessas idéias, Isabel! Crede-me; uma única razão pode justificar semelhante loucura.
— Qual? perguntou Isabel.
— A desonra.
— Há ainda outra, respondeu a moça com exaltação: outra menos egoísta, mas tão nobre como esta; a felicidade daqueles que se amam.
— Não vos compreendo.
— Quando se sabe que se pode ser uma causa de desgraça para aqueles que se estima, melhor é desatar o único laço que nos prende à vida do que vê-lo despedaçar-se. Não dizíeis que tendes medo de amar-me? Pois bem, agora sou eu que tenho medo de ser amada.
Álvaro não soube o que responder: estava numa terrível agitação: conhecia Isabel, e sabia que força tinham aquelas palavras ardentes que soltavam os lábios da moça.
— Isabel! disse ele tomando-lhe as mãos. Se me tendes alguma afeição, não me recuseis a graça que vou pedir-vos. Repeli esses pensamentos! Eu vos suplico!
A moça sorriu-se melancolicamente:
— Vós me suplicais?... Me pedis que conserve esta vida que recusastes!... Não é ela vossa? Aceitai-a; e já não tereis que suplicar!
O olhar ardente de Isabel fascinava; Álvaro não se pôde mais conter; ergueu-se, e reclinando-se ao ouvido da moça balbuciou:
— Aceito!
Enquanto Isabel, pálida de emoção e felicidade, duvidava ainda da voz que ressoava no seu ouvido, o moço tinha saído da sala.
Durante que Álvaro e Isabel conversavam a meia voz, Peri continuava a contemplar a sua senhora.
O índio estava pensativo: e via-se que uma idéia o preocupava, e absorvia toda a sua atenção.
Por fim levantou-se, e lançando um último olhar repassado de tristeza a Cecília, encaminhou-se lentamente para a porta da sala.
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A menina fez um ligeiro movimento e levantou a cabeça:
— Peri!...
Ele estremeceu, e voltando foi de novo ajoelhar-se junto do sofá.
— Tu me prometeste não deixar tua senhora! disse Cecília com uma doce exprobração.
— Peri quer te salvar.
— Como?