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X NA BRECHA

Quando Peri entrou no quarto de Cecília, Loredano passeava do outro lado da esplanada, em frente do alpendre.

O italiano refletia sobre os acontecimentos que haviam passado nos últimos dias, sobre as vicissitudes que correra a sua vida e a sua fortuna.

Por diferentes vezes tinha posto o pé sobre o túmulo; tinha tocado a sua última hora; e a morte fugira dele, e o respeitara. Também por diferentes vezes havia encarado a felicidade, o poder, a fortuna; e tudo se esvaecera como um sonho.

Quando à frente dos aventureiros revoltados ia atacar a D. Antônio de Mariz que não lhe podia resistir, os Aimorés tinham aparecido de repente e mudado a face das coisas.

A necessidade da defesa contra o inimigo comum trouxe uma suspensão de hostilidades; acima da ambição estava o instinto da vida e da conservação. A luta de interesses e de ódios cedeu à grande luta das raças inimigas.

Por isso no primeiro ataque dos selvagens, todos por um movimento espontâneo trataram de repelir o inimigo, e de salvar a casa da ruína que a ameaçava. Depois separaram -se de novo, e sempre observando-se, sempre prontos a defenderem-se um do outro, os dois grupos continuaram a repelir os índios com a maior coragem.

No meio disto porém Loredano que se constituíra o chefe da revolta, não abandonava o seu projeto de apoderar-se de Cecília e vingar-se de D. Antônio de Mariz e de Álvaro.

Seu espírito tenaz trabalhava incessantemente procurando o meio de chegar àquele resultado; atacar abertamente o fidalgo era uma loucura que não podia cometer. A menor luta que houvesse entre eles, entregava-os todos aos selvagens, que excitados pela vingança e pelos seus instintos sanguinários e ferozes, atacavam o edifício sem repouso e sem descanso.

A única barreira que continha os Aimorés era a posição inexpugnável da casa, assentada sobre um rochedo, apenas acessível por um ponto, pela escada de pedra que descrevemos no primeiro capitulo desta história.

Esta escada era defendida por D. Antônio de Mariz e pelos seus homens; a ponte de madeira tinha sido destruída; mas apesar disso os selvagens a substituiriam facilmente se não fosse a resistência desesperada que o fidalgo opunha aos seus ataques.

Desde o momento pois, que impelido pelo seu amor, D. Antônio corresse em defesa de sua família e abandonasse a escada, os duzentos guerreiros Aimorés se precipitariam sobre a casa, e não havia coragem que lhes pudesse resistir.

O italiano que compreendia isto, estava bem longe de tentar o menor ataque a peito descoberto; a prudência o aconselhava então como o tinha aconselhado no dia do primeiro assalto.

O que ele procurava era um meio de, sem estrépito, sem luta, imprevistamente, fazer morrer D. Antônio de Mariz, Peri, Álvaro e Aires Gomes; feito isto os outros se reuniriam a ele pela necessidade da defesa e pelo instinto da conservação.

Tornar-se-ia então senhor da casa; ou repelia os índios, salvava Cecília e realizava todos os seus sonhos de amor e de felicidade; ou morria tendo ao menos esgotado até ao meio a taça do prazer que seus lábios nem sequer haviam tocado.

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Era impossível que esse espírito satânico, fixando-se em uma idéia durante três dias, não tivesse conseguido achar um meio para a consumação desse novo crime que planejara.

Não só o tinha achado, mas já havia começado a pô-lo em prática; tudo o protegia, até mesmo o inimigo que o deixava em repouso, atacando unicamente o lado da casa protegido por D. Antônio de Mariz.

Passeava pois embalando-se de novo nas suas esperanças, quando Martim Vaz, saindo do alpendre, chegou-se a ele.

— Uma com que não contávamos!... disse o aventureiro.

— O quê? perguntou o italiano com vivacidade.

— Uma porta fechada.

— Abre-se!

— Não com essa facilidade.

— Veremos.

— Está pregada por dentro.

— Terão pressentido?...

— Foi a idéia que já tive.

Loredano fez um gesto de desespero.

— Vem!

Os dois encaminharam -se para o alpendre, onde dormiam os aventureiros armados, prontos ao menor sinal de ataque.

O italiano acordou João Feio, e por precaução mandou-o fazer a guarda na esplanada, apesar de não haver receio que os selvagens atacassem do seu lado.

O aventureiro, ainda tonto de sono, ergueu-se e saiu.

Loredano e seu companheiro caminharam para uma sala interior que servia de cozinha e despensa a esta parte da casa. Quando iam entrar, a luz que o aventureiro levava na mão para esclarecer o caminho, apagou-se de repente.

— Sois um desazado! disse Loredano contrariado.

— E tenho eu culpa! Queixai-vos do vento.

— Bom! não gasteis o tempo em palavras! Tirai fogo. O aventureiro voltou a procurar o seu fuzil.

Loredano ficou em pé na porta à espera que o seu companheiro voltasse; e pareceu-lhe ouvir perto dele a respiração de um homem. Aplicou o ouvido para certificar-se; e por segurança tirou o seu punhal e colocou-se no centro da porta, para impedir a saída de quem quer que fosse.

Não ouviu mais nada; porém sentiu de repente um corpo frio e gelado que tocou-lhe a fronte; o italiano recuou, e brandindo a sua faca deu um golpe às escuras.

Pareceu-lhe que tinha tocado alguma coisa; entretanto tudo conservou-se no mais profundo silêncio.

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