“Geralmente é assim; mas em todos os casos o instante que os separa é muito curto.”
162. Após a decapitação, por exemplo, o homem conserva por alguns instantes a consciência de si mesmo?
“Frequentemente a conserva durante alguns minutos, até que a vida orgânica seja extinta completamente. Mas também quase sempre a apreensão da morte lhe faz perder essa consciência antes do instante do suplício.”
Trata-se aqui somente da consciência que o supliciado pode ter de si mesmo,
124 – Allan Kardec
como homem e por intermédio dos órgãos, e não como Espírito. Se ele não perdeu essa consciência antes do suplício, pode então conservá-la por alguns instantes, mas que são de uma duração muito curta e ela cessa necessariamente com a vida orgânica do cérebro, o que não quer dizer que o perispírito esteja inteiramente separado do corpo; ao contrário, em todos os casos de morte violenta, quando ela não resulta da extinção gradual das forças vitais, os liames que unem o corpo ao perispírito são mais resistentes e o desprendimento completo é mais lento.
Perturbação espiritual
163. A alma tem consciência de si mesma imediatamente depois de deixar o corpo?
“Consciência imediata não é bem o termo; a alma fica algum tempo em perturbação.”
164. Todos os Espíritos experimentam num mesmo grau e pela mesma duração a perturbação que segue a separação da alma e do corpo?
“Não, isso depende da elevação de cada Espírito. Aquele que já está purificado, reconhece-se quase imediatamente, pois já se libertou da matéria durante a vida do corpo, enquanto o homem carnal — aquele cuja consciência ainda não está pura — conserva por muito mais tempo a influência dessa matéria.”
165. O conhecimento do espiritismo exerce uma influência sobre a duração mais ou menos longa da perturbação?
“Exerce uma influência muito grande, uma vez que o Espírito já compreendia antecipadamente sua situação; mas são a prática do bem e a consciência pura o que mais têm influência.”
No momento da morte, tudo a princípio é confuso; a alma precisa de algum tempo para se reconhecer; ela fica atordoada e no estado de uma pessoa despertada de um profundo sono e que procura se dar conta de sua situação. A lucidez das ideias e a memória do passado lhe voltam à medida que se apaga a
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influência da matéria da qual ela acaba de se desligar, e à medida que se dissipa a espécie de névoa que obscurece seus pensamentos.
A duração da perturbação que segue a morte é bastante variável; pode ser de algumas horas, como também de vários meses e até mesmo de muitos anos.
Aqueles em que essa duração é menos longa são os que, em vida, se identificaram com o estado futuro, porque eles então compreendem imediatamente sua posição.
Essa perturbação apresenta circunstâncias particulares, segundo as características dos indivíduos e principalmente dependendo do gênero da morte.
Nas mortes violentas, por suicídio, suplício, acidente, apoplexia18, ferimentos etc., o Espírito fica surpreendido, espantado e não acredita estar morto; sustenta isso com obstinação, contudo ele vê seu próprio corpo, sabe que esse corpo é seu, mas não compreende como esteja separado dele; dirige-se às pessoas por quem tem afeição, fala com elas e não entende por que não o escutam. Essa ilusão dura até o completo desprendimento do perispírito; só então o Espírito se reconhece e compreende que não mais faz parte dos vivos. Esse fenômeno se explica facilmente. Surpreendido de improviso pela morte, o Espírito fica aturdido com a brusca mudança que nele se operou; para ele a morte ainda é sinônimo de destruição, de aniquilamento; ora, como ele pensa, vê e escuta, no seu sentido ele não está morto; o que aumenta sua ilusão é o fato de ele se ver com um corpo semelhante ao precedente pela sua forma, da qual ainda não teve tempo de estudar a natureza etérea; ele crer que seja sólido e compacto como o primeiro corpo, e quando chamam sua atenção para esse ponto, ele se admira de não poder se apalpar. Esse fenômeno é análogo ao que ocorre com sonâmbulos iniciantes, que não acreditam estarem dormindo. Para estes, o sono é sinônimo de suspensão das faculdades; ora, como pensam livremente e como veem, julgam que não estejam dormindo. Certos Espíritos apresentam essa particularidade conquanto a morte não lhes tenha chegado repentinamente; todavia, é mais comum que ela se apresente entre aqueles que, embora doentes, não pensavam em morrer. Observa-se então o curioso espetáculo de um Espírito assistir ao seu próprio enterro como se fosse o de um estranho, e falando desse ato como de coisa que lhe não diz respeito, até o momento em que compreenda a verdade.
A perturbação que se segue depois da morte nada tem de penosa para o homem pessoa de bem; ele fica calmo e semelhante em tudo àquele que 18 Apoplexia: típico caso de acidente vascular cerebral, também conhecido como derrame cerebral. — N. T.
126 – Allan Kardec
acompanha um tranquilo despertar. Para aquele cuja consciência não está pura, a perturbação é cheia de ansiedade e de angústias, que aumentam na proporção que ele se reconhece.
Nos casos de morte coletiva, tem sido observado que todos os que perecem ao mesmo tempo nem sempre tornam a se ver imediatamente. Nessa perturbação que segue a morte, cada um vai para seu lado ou só se preocupa com aqueles que lhe interessam.
127 – O Livro dos Espíritos
CAPÍTULO IV
PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS
A reencarnação – Justiça da reencarnação
– Encarnação nos diferentes mundos – Transmigrações progressivas
– Destino das crianças após a morte – Sexo nos Espíritos –
Parentesco, filiação – Semelhanças físicas e morais – Ideias inatas
A reencarnação
166. Como a alma que não alcançou a perfeição durante a vida corpórea pode acabar de se depurar?
“Passando pela prova de uma nova existência.”
166-a. — Como a alma realiza essa nova existência? Será pela sua transformação como Espírito?
“Em se depurando, a alma sem dúvida passa por uma
transformação, mas para isso ela necessita da prova da vida corporal.”
166-b. — Então a alma passa por várias existências corporais?
“Sim, todos nós temos diversas existências. Aqueles que dizem o contrário querem lhes manter na ignorância em que eles próprios se encontram; esse é o desejo deles.”
166-c. — Parece resultar desse princípio que, depois de ter deixado um corpo, a alma toma outro; dito de outra forma, que ela reencarna em novo corpo. É assim que se deve entender?