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– “Ele? O jeito que é o dele, que ele tem? Em é mais baixo do que alto, não é velho, não é moço... Homem branco... Veio de Goiás... O que os outros falam e tratam: `Deputado’. Desceu o Rio Paracatu numa balsa de buriti... – ‘Estávamos em jejum de briga...’ – ele mesmo disse. Ele e seus cinco deram fogo feito

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas feras. Gritavam de onça e de uivado... Disse: vai remexer o mundo! Desceu o Rio Paracatu numa balsa de buriti... Desceram... Nem cavalo eles não têm...”

– “É ele! Mas é ele! Só pode ser...” – aí alguém lembrou. –

“E é. E, então, está do nosso lado!” – outro completou. –

“Temos de mandar por ele...” – foi a palavra de Marcelino Pampa. – “Onde é que estará? Na Pavoã? Alguém tem de ir lá...” – “É ele... É ver a vida: quem pensava? E é homem danado, zuretado...” – “Está a favor da gente... E ele sabe guerrear...” E era. Repegava a chuva, trozante, mas mesmo assim o Quipes e Cavalcânti montaram e saíram por ele, da Pavoã no rumo. De certo não acharam fácil, pois até à hora de escurecer não tinham aparecido. Mas: aquele homem, para que o senhor saiba, – aquele homem: era Zé Bebelo. E, na noite, ninguém não dormiu direito, em nosso campo. De manhã, com uma braça de sol, ele chegou. Dia da abelha branca.

De chapéu desabado, avantes passos, veio vindo, acompanhado de seus cinco cabras. Pelos modos, pelas roupas, aqueles eram gente do Alto Urucuia. Catrumanos dos gerais.

Pobres, mas atravessados de armas, e com cheias cartucheiras.

Marcelino Pampa caminhou ao encontro dele; seguinte de nosso comandante, nós formávamos. Valia ver. Essas cerimônias.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

– “Paz e saúde, chefe! Como passou?” – “Como passou, mano?”

Os dois grandes se saudavam. Aí Zé Bebelo reparou em mim: – “Professor, ara viva! Sempre a gente tem de se avistar...”

De nomes e caras de pessoas ele em tempo nenhum se esquecia.

Vi que me prezava cordial, não me dando por traidor nem falso.

Riu redobrado. De repente, desriu. Refez pé para trás.

– “Vim de vez!” – ele disse; disse desafiando, quase.

– “Em boa veio, chefe! É o que todos aqui representamos...” – Marcelino Pampa respondeu.

– “A pois. Salve Medeiro Vaz!...”

– “Deus com ele, amigo. Medeiro Vaz ganhou repouso...”

– “Aqui soube. Lux eterna...” – e Zé Bebelo tirou o chapéu e se persignou, parando um instante sério, num ar de exemplo, que a gente até se comoveu. Depois, disse:

– “Vim cobrar pela vida de meu amigo Joca Ramiro, que a vida em outro tempo me salvou de morte... E liquidar com esses dois bandidos, que desonram o nome da Pátria e este sertão nacional! Filhos da égua...” – e ele estava com a raiva tanta, que

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas tudo quanto falava ficava sendo verdade. – “Pois, então, estamos irmãos... E esses homens?”

Os urucuianos não abriram boca. Mas Zé Bebelo rodeou todos, num mando de mão, e declarou forte o seguinte:

– “Vim por ordem e por desordem. Este cá é meus exércitos!...” Prazer que foi, ouvir o estabelecido. A gente quisesse brigar, aquele homem era em frente, crescia sozinho nas armas.

Vez de Marcelino Pampa dizer:

– “Pois assim, amigo, por que é que não combinamos nosso destino? Juntos estamos, juntos vamos.”

– “Amizade e combinação, aceito, mano velho. Já, ajuntar, não. Só obro o que muito mando; nasci assim. Só sei ser chefe.”

Sobre curto, Marcelino Pampa cobrou de si suas contas.

Repuxou testa, demorou dentro dum momento. Circulou os olhos em nós todos, seus companheiros, seus brabos. Nada não se disse. Mas ele entendeu o que cada vontade pedia. Depressa deu, o consumado:

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– “E chefe será. Baixamos nossas armas, esperamos vossas ordens...” Com coragem falou, como olhou para a gente outra vez.

– “Acordo!” – eu disse, Diadorim disse, João Concliz disse; todos falaram: – “Acordo!”

Aí Zé Bebelo não discrepou pim de surpresa, parecia até que esperava mesmo aquele voto. – “De todo poder? Todo o mundo lealda?” – ainda perguntou, ringindo seriedade.

Confirmamos. Então ele quase se aprumou nas pontas dos pés, e nos chamou: – “Ao redor de mim, meus filhos. Tomo posse!”

Podia-se rir. Ninguém ria. A gente em redor dele, misturando em meio nosso os cinco homens do Urucuia. Adiante: – “Pois estamos. É o duro diverso, meu povo. Mas os assassinos de Joca Ramiro vão pagar, com seiscentos-setecentos!...” – ele definiu, apanhando um por um de nós no olhar. – “Assassinos – els são os Judas. Desse nome, agora, que é o deles...” – explicou João Concliz. – “Arre, vote: dois judas, podemos romper as aleluias!

Aleluia! Aleluia! Carne no prato, farinha na cuia!...” – ele aprovou, deu aquilo feito um viva. Nós respondemos. E assim era que Zé Bebelo era. Como quando trovejou: desse trovôo de alto e rasto, dos gerais, entrementes antes dos gotejos de chuva esquentada: o trovão afunda largo, pé da gente apalpa a terra. Conforme foi:

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