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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas trovejou de cala-a-boca – e Zé Bebelo tocou um gesto de costas da mão, respeitoso disse: – “Isto é comigo...” Do que se tratava, retorno e conto, ele o seguinte revelou: – “Tudo eu não tinha, com os meus, munição para nem meia-hora...” A gente reconheceu mais a coragem dele. Isto é, qualquer um de nós sabia que aquilo podia ser mentira. Mesmo por isso, somenos, por detrás de tanta papagaiagem um homem carecia de ter a valentia muito grande.

A cômodo ele começou, nesse dia, nessa hora; não esbarrou mais. Achou de ir ver o lugar da cova, e as armas e trens que Medeiro Vaz deixava, essas determinou que, o morto não tendo parentes, então para os melhores mais chegados como lembrança ficassem: as carabinas e revólveres, a automática de rompida e ronco, punhal, facão, o capote, o cantil revestido, as capangas e alforjes, as cartucheiras de trespassar. Alguém disse que o cavalo grande, murzelo-mancho, devia de ficar sendo dele mesmo. Não quis. Chamou Marcelino Pampa, a ele fez donativo grave: – “Este animal é vosso, Marcelino, merecido. Porque eu ainda estou para ver outro com igual siso e caráter!” Apertou a mão dele, num toques. Marcelino Pampa dobrou de ar, perturbado. Desse fato em diante, era capaz de se morrer, por Zé Bebelo. Mas, para si mesmo, Zé Bebelo guardou somente o

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas pelego berbezim, de forrar sela, e um bentinho milagroso, em três baetas confeccionado.

Daí, levou a eito, vendo, examinando, disquirindo.

Aprendeu os nomes, de um em um, e em que lugar nascido, resumo da vida, quantos combates, e que gostos tinha, qualquer oficio de habilidade. Olhou e contou as pencas de munição e as armas. Repassou os cavalos, prezando os mais bem ferrados e os de agüentada firmeza. – “Ferraduras, ferraduras! Isto é que é importante...” – vivia dizendo. Repartiu os homens em quatro pelotões – três drongos de quinze, e um de vinte – em cada um ao menos um bom rastreador. – “Carecemos de quatro buzinas de caçador, para os avisos...” – reclamou. Ele mesmo tinha um apito, pendurado do pescoço, que de muito longe se atendia.

Para capitanear os drongos, escolheu: Marcelino Pampa, João Concliz, e o Fafafa. Pessoalmente, ficou com o maior, o de vinte

– nesse figuravam os cinco urucuianos, e eu, Diadorim, Sesfredo, o Quipes, Joaquim Beiju, Coscorão, Dimas Doido, o Acauã, Mão-de-Lixa, Marruaz, o Credo, Marimbondo, Rasgaem-Baixo, Jiribibe e Jõe Bexiguento, dito Alparcatas. Só que, tidos todos repartidos, ainda sobravam nove – serviram para esquadrão adeparte, tomar conta dos burros cargueiros, com petrechos e mantimentos. O testa deles foi Alaripe, por bom

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas que fosse para tudo ser. Aos esses, mesmo, se comediu obrigação: Quim Queiroz zelava os volumes de balas; o jacaré exercia de cozinheiro, todo tempo devia de dizer o de comer que precisava ou faltava; Doristino, ferrador dos animais, tratador deles; e os outros ajudavam; mas Raimundo Lê, que entendia de curas e meizinhas, teve cargo de guardar sempre um surrão com remédios. O que, remédio, por ora, não havia nenhum. Mas Zé Bebelo não se atontava: – “Aí em qualquer parte, depois, se compra, se acha, meu filho. Mas, vai apanhando folha e raiz, vai tendo, vai enchendo... O que eu quero é ver o surrão à mão...” O

acampamento da gente parecia uma cidade.

Assuntos principais, Zé Bebelo fazia lição, e deduzia ordens. – “Trabucar duro, para dormir bem!” – publicava.

Gostadamente: – “Morrendo eu, depois vocês descansam...” – e ria: – “Mas eu não morro...” Sujeito muito lógico, o senhor sabe: cega qualquer nó. E – engraçado dizer – a gente apreciava aquilo.

Dava uma esperança forte. Ao um modo, melhor que tudo é se cuidar miudamente trabalhos de paz em tempo de guerra. O mais eram traquejos, a cavalo, para lá e para cá, ou esbarrados firmes em formatura, então Zé Bebelo perequitava, assoviando, manobrava as patrulhas, vai-te, volta-te. Somente: – “Arre, temos nenhum tempo, gente! Capricha...” Sempre, no fim, por animar,

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas levantava demais o braço: – “Ainda quero passar, a cavalos, levando vocês, em grandes cidades! Aqui o que me faz falta é uma bandeira, e tambor e cornetas, metais mais... Mas heide! Ah, que vamos em Carinhanha e Montes Claros, ali, no haja vinho...

Arranchar no mercado da Diamantina... Eli, vamos no Paracatu-do-Príncipe!...” Que boca, que o apito: apitava.

A sério, ele me chamava para o lado dele, e ia mandando vir outros – Marcelino Pampa, João Concliz, Diadorim, o urucuiano Pantaleão, e o Fafafa, vice-mandantes. Todos tinham de expor o que sabiam daquele gerais território: as distâncias em léguas e braças, os vaus, o grau de fundo dos marimbus e dos poços, os mandembes onde se esconder, os mais fartos pastos. Como Zé Bebelo simplificava os olhos, e perguntando e ouvindo avante.

Às vezes riscava com ponta duma vara no chão, tudo representado. Ia organizando aquilo na cabeça. Estava aprendido.

Com pouco, sabia mais do que nós juntos todos. Bem eu conhecia Zé Bebelo, de outros currais! Bem eu desejasse ter nascido como ele... Aí, saía, por caçar. Sucinto que gostava de caçar; mas estava era sujeitando a exame o morro, discriminando.

O mato e o campo – como dois é um par. Veio e foi, figurava, tomava a opinião da gente: – “Com dez homens, naquela altura, e outros dez espalhados na vertente, se podia impedir a passagem

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas de duzentos cavaleiros, pelo resfriado... Com outros alguns, dando a retaguarda, então...” Nesfartes, só nisso ele pensava, quase que.

Sendo que expedia, sobre hora, alguém adiante, se informar do meximento dos Judas, trazer notícias vivas. E, homem feliz, feito Zé Bebelo naquele tempo, afirmo ao senhor, nunca não vi.

Diadorim também, que dos claros rumos me dividia. Vinha a boa vingança, alegrias dele, se calando. Vingar, digo ao senhor: é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais. O demônio diz mil. Esse! Vige mas não rege... Qual é o caminho certo da gente? Nem para a frente nem para trás: só para cima. Ou parar curto quieto. Feito os bichos fazem. Os bichos estão só é muito esperando? Mas, quem é que sabe como? Viver... O senhor já sabe: viver é etcétera... Diadorím alegre, e eu não. Transato no meio da lua. Eu peguei aquela escuridão. E, de manhã, os pássaros, que bem-meviam todo tal tempo. Gostava de Diadorim, dum jeito condenado; nem pensava mais que gostava, mas aí sabia que já gostava em sempre. Oi, suindara! – linda cor...

Dando o dia, de repente, Zé Bebelo determinou que tudo e tudo fosse pronto, para uma remarcha em exercícios, como geral.

Só por festa. Ao que os burrinhos comiam amadrinhados, em bom pasto: – “Menininhos, responsabilidade de cangalhas em vocês, carregando a nossa munição!” – Zé Bebelo mandou. Mas,

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas montado, declarou: – “Meu nome d’ora por diante vai ser ah-oh-ah o de Zé Bebelo Vaz Ramiro! Como confiança só tenho em vocês, companheiros, meus amigos: zé-bebelos! A vez chegou: vamos em guerra. Vamos, vamos, rebentar com aquela cambada de patifes!...” Saímos, solertes entes.

Para isso, a lua não era boa. Quem põe praça de cavalhadas, por desbarranco de estradas lamentas, desmancho empapado de chão, a chuva ainda enxaguando? Convinha esperar regras d’água. – “O Rio Paracatu está cbeio...” alguém disse. Mas Zé Bebelo atalhou: – “O São Francisco é maior...”

Com ele tudo era assim, extravagável; e não queria conversas de cutilquê. Rompemos. Melava de chover baixo, mimelava. Até o derradeiro do momento, parecia que íamos atravessar o Paracatu. Não atravessamos. Tudo aquele homem retinha estudado. Daí, distribuiu as patrulhas. O drongo dele, viemos, pela beira, sempre o Paracatu à mão esquerda. Trovejou, de perturbar. Ele disse: – “Melhor, dou surpresa... Só uma boa surpresa é que rende. Quero é atacar!”. A gente ia para o Buriti-Pintado. A lá, consta de dez léguas, doze, – “Na hora, cada um deve de ver só um algum judas de cada vez, mirar bem e atirar.

O resto maior é com Deus...” – já vai que falava. – “Para um trabalho que se quer, sempre a ferramenta se tem. Só com estes

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas cavalos, só à ligeireza, de lugar para lugar, para a frente e para trás. Sei, mas o principal dos combates vamos dar é bem a pé...”

Na beira do rio Soninho, descansamos. Animais de carga, a ponta de mulas, ficaram botados escondidos, numa bocaina na balsa. Só três homens tomavam conta. – “Eu é que escolho a hora e o lugar de investir...” – Zé Bebelo disse. E, num lugar de remanso, passamos o rio Soninho, no escuro, sem ensolvar, bala em boca. De manhã, de três lados, demos fogo. Aí Zé Bebelo tinha meditado tudo como um ato, de desenho. Primeiro, João Concliz avançou, com seus quinze, iam fazendo de conta que desprevenidos. Quando os outros vieram, nós todos já estávamos bem amoitados, em pontos bons. Duma banda, então, o Fafafa recruzou, seus cavaleiros: que estavam muito juntos, embolados, do modo por que um bando de cavaleiros ou cavalos dá ar de ser muito maior do que no real é. Todos cavalos ruços ou baios – cor clara também aumenta muito a visão do tamanho deles. Ah, e gritavam. Assaz os judas atiravam mal, discordados, nadinha nem. Aí, de poleiro pego prévio, abrimos nossa calamidade neles. Pessoal do Hermógenes... Não se disse guavai!

Supetume! Só bala de aço. – “Dou duelo!... – Ei, tibes...” Só o quanto de se quebrar galho e rasgar roupagem. Um judas correu errado, do lado onde o Jiribibe estava: triste daquele. – “Ouh!” –

foi o que ele fez de contrição perfeita. Outro levantou o corpo

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas um pouco demais. – “Tu! Tu pensa que tem Deus-e-meio?!” –

Zé Bebelo disse, depois de derrubar o tal, com um tiro de nhambu, baixo. Outro fugia esperto. – “Tem talento nos pés...”

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