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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

– “Ah, sim, dificultoso é, meu filho. Mas pego, é o nosso recurso. Se não, se outra, que saldo é que temos?” – e Zé Bebelo, do dito, sagaz se rigozijava.

Então, com respeito, eu disse que a gente podia experimentar de fazer isso mesmo agora: furar uma saída, por entre os Hermógenes, brigando e matando. Eu disse isso. Mas tinha esquecido que estava era encostado em Zé Bebelo, no questionar. Aí quem era que podia com a idéia daquele homem, quem era que se sustentava? A foro, pois, assim ele me respondeu:

– “Pois era, Tatarana? Olhe: escuta, pensa – esses Hermógenes não são mais valentes do que nós, nem estão em quantidade maior; mas fato é que eles chegaram a surdas, e nos cercaram, tomaram tudo quanto há de melhor, nessas posições.

Asseados, é que estão. Agora, nesta hora, a gente forçar um escape, pode ser que se tenha sorte – mas mesmo assim sofrendo muitas mortes, e sem meios para descontar essas, sem alcance nenhum para se matar um bom poucado desses inimigos. Tu entende? Mas, se os soldados chegarem, têm de dar o forte fogo primeiro contra os Hermógenes, fazendo neles muito estrago. Aí, se foge, com tenção só na escapula. Ao menos, algum lucro se

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas teve... Ah, tu vê o que se quer? Ah, o que tu também quer, pois não quer?!...”

Não nas artes que produzia, mas no armar de falar assim –

ele era razoável. Se riu, qual. Riu? Eu sendo água, me bebeu; eu sendo capim, me pisou; e me ressoprou, eu sendo cinza. Ah, não!

Então, eu estava ali, em chão, em a-cu atôo de acuado?! Um ror de meu sangue me esquentou as caras, o redor dos ouvidos, cachoeira, que cantava pancada. Eu apertei o pé na alpercata, espremi as tábuas do assoalho. Desconheci antes e depois – uma decisão firme me transtornava. E eu vi, fiquei sabendo: me queimassem em fogo, eu dava muitas labaredas muito altas! Ah, dava. O senhor acha que menos acho? Mais digo. Mais fiz. Antes veja, o que eu pensei – o que seguinte ia ser, e ficou formado um decreto de pedra pensada: que, na hora de os soldados sobrechegarem, eu parava perto de Zé Bebelo; e que, ele fizesse feição de trair, eu abocava nele o rifle, efetuava. Matava, só uma vez. E, daí... Daí eu tomava o comandamento, o competentemente – eu mesmo! – e represava a chefia, e forçando os companheiros para a impossível salvação. Aquilo por amor do rijo leal eu fazia, era capaz; pelo certo que a vida deve de ser.

Mesmo não gostando de ser chefe, descrendo do enfado de responsabilidades. Mas fazia. “Aí, pego a faca-punhal e o facão

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas grande...” – tornei a pensar. Até chegar a hora, eu não ia falar disso com pessoa nenhuma, nem com Diadorim. Mas fazia, procedia. E eu mesmo senti, a verdade duma coisa, forte, com a alegria que me supriu: – eu era Riobaldo, Riobaldo, Riobaldo! A quase que gritei aquele este nome, meu coração alto gritou. Arre então, quando eu experimentei os gumes dos meus dentes, e terminei de escrever o derradeiro bilhete, eu estive todo tranqüilizado e um só, e insensato resolvido tanto, que mesmo acho que aquele, na minha vida, foi o ponto e ponto e ponto. E

entreguei o escrito a Zé Bebelo – minha mão não espargiu nenhum tremor. O que regeu em mim foi uma coragem precisada, um desprezo de dizer; o que disse:

– “O senhor, chefe, o senhor é amigo dos soldados do Governo...”

E eu ri, ah, riso de escárnio, direitinho; ri, para me constar, assim, que de homem ou de chefe nenhum eu não tinha medo. E

ele se sustou, fez espantos.

Ele disse: – “Tenho amigo nenhum, e soldado não tem amigo...” Eu disse: – “Estou ouvindo.”

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Ele disse: – “Eu tenho é a Lei. E soldado tem é a lei...” Eu disse: – “Então, estão juntos.”

Ele disse: – “Mas agora minha lei e a deles são às diversas: uma contra a outra...”

Eu disse: – “Pois nós, a gente, pobres jagunços, não temos nada disso, a coisa nenhuma...”

Ele disse: – “Minha lei, sabe qual é que é, Tatarana? É a sorte dos homens valentes que estou comandando...”

Eu disse: – “É. Mas se o senhor se reengraçar com os soldados, o Governo lhe repraz e lhe premeia. O senhor é da política. Pois não é? Õ gente – deputado...”

Ah, e feio ri; porque estava com vontade. Aí pensei que ele fosse logo querer o a gente se matar. A sorte do dia, eu cutucava.

Mas ruim não foi. Zé Bebelo só encurtou o cenho, no carregoso.

Fechou a boca, pensou bem.

Ele disse: – “Escuta, Riobaldo, Tatarana: você por amigo eu tenho, e te apreceio, porque vislumbrei tua boa marca. Agora, se eu achasse o presumido, com certeza, de que você está desconcordando de minha lealdade, por malícias, ou de que você quer me aconselhar canalhagem separada, velhaca, para vantagem

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas minha e sua... Se eu soubesse disso, certo, olhe...” Eu disse: –

“Chefe, morte de homem é uma só...”

Eu tossi. Ele tossiu.

Diodolfo, correndo vindo, disse: – “O Jósio está morrendo, com um tiro no pescoço, lá dele...”

Alaripe entrou, disse: – “Eles estão querendo pôr mãos e pés no chiqueiro e na tulha. Se assanham!”

Eu disse: – “Dê as ordens, Chefe!” Eu disse gerido; eu não disse copiável. Sei que Zé Bebelo sorriu, aliviado.

Zé Bebelo botou a mão no meu ombro; era o da banda do braço que doía. – “A vamos, a vamos, com macacos e bananas!

A cá, na sala-dejantar, meu filho...” – ele instou. À janela.

Agachei, e escorei meu rifle, arma capital. Agora, era obrar. E

aqueles sujeitos estavam loucos?

Cabeça de um se bolou, redondante, feito um coco, por cima da palha de buriti que cobria uma casa de vaqueiro.

Adesfechei: e vi arrebentar em pedaços o casco daquilo. Daí, a dor me doeu no ferimento do braço, mordi meus beiços por essa causa. Mas cacei. Outro afundei logo, cujo varei os peitos, com outra bala certeira, duas balas. Ave, que afoitos! Ao tanto eu

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas gemia, e apontava. Eles, em um e um, caíam, aceitavam o poder da morte que eu mandava. Fiz conta: uns seis, sei, até a hora do almoço – meiadúzia. Essas coisas, não gosto de relatar, não são para que eu alembre; não se deve, de. Ao senhor, só, agora, sim: é de declaração, é até ao desamargado dos sonhos... Que eu ali, jajão. Conheço quando homem só disfarça, quando se encolhe somente ferido, ou mas quando retomba mesmo por desmanchado. Mortes diferentes, mortes iguais. Pena, se tive? Vá se ter dó de canguçu, dever finezas a escorpião! Pena de errar algum, eu ter podia; ah, mas não errava. Deixa que deixavam só uns dois dedos de corpo em descoberto lateral – e minha bala se comportava. Como aquele meu braço me doendo, ai dor doía, de arrancado, parecendo que um fogo desenraizava tudo, dos ocos, respondia até na barriga. A cada que eu dava um tiro, forcejava minha careta, chorejava. Ria, despois. – “Aperta esta minha parte de natureza, com um cabresto, com um pano, companheiro!” –

eu supliquei. Alaripe, servente, rasgou uma colcha de cama, me passou dobras daquelas tiras, arrochadas. Também, doesse que doesse, que me importava? – arrasos em redor de mim.

Trastanto, derrubei mais um, mais vizinho. Os outros uns. Esse, urubu já bicou. Esse ia pulando em lanço, para um canto da cerca, esse repulou no ar, esse deu um grito soltado. Menos, veja

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas e mire, eu catasse de querer espécies de homens, para alvejar, feito se por cabeça ganhasse prêmio de conto-de-réis. Mas mais, de muitos, a vida salvei: pelo medo que de mim tomavam, para não avançar nos lugares – pelos tirázios. Ainda demos um tiroteio varredor, ainda batemos. Aí, eles desistiram para trás, desandavam. Assim pararam, o balançar da guerra parou, até para o almoço, em boa hora. E então conto o do que ri, que se riu: uma borboleta vistosa veio voando, antes entrada janelas a dentro, quando junto com as balas, que o couro de boi levantavam; assim repicava o espairar, o vôo de reverências, não achasse o que achasse – e era uma borboleta dessas de cor azul-esverdeada, afora as pintas, e de asas de andor. – “Ara, viva, maria boa-sorte!” – o Jiribibe gritou. Alto ela entendesse. Ela era quase a paz.

A comida para mim, ali mesmo me trouxeram, todos em minha pontaria punham prezado valor. O imaginar o senhor não pode, como foi que eu achei gosto naquela comida, às ganas, que era: de feijão, carne-seca, arroz, maria-gomes e angu. Ao que bebi água, muita, bebi restilo. O café que chupo. E Zé Bebelo, revindo, me gabou: – “Tu é tudo, Riobaldo Tatarana! Cobra voadeira...” Antes Zé Bebelo me ofereceu mais restilo, o tanto também bebeu, às saúdes. Seria só por desconto de um começo

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