Suspendi do que estava:
–... A guerra foi grande, durou tempo que durou, encheu este sertão. Nela todo o mundo vai falar, pelo Norte dos Nortes, em Minas e na Bahia toda, constantes anos, até em outras partes... Vão fazer cantigas, relatando as tantas façanhas... Pois então, xente, hão de se dizer que aqui na SempreVerde vieram se reunir os chefes todos de bandos; com seu cabras valentes, montoeira completa, e com o sobregoverno de Joca Ramiro – só para, no fim, fim, se acabar com um homenzinho sozinho – se condenar de matar Zé Bebelo, o quanto fosse um boi de corte?
Um fato assim é honra? Ou é vergonha?...”
– “Para mim, é vergonha...” – o que em brilhos ouvi: e quem falou assim foi Titão Passos.
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas
– “Vergonha! Raios diabos que vergonha é! Estrumes! A vergonha danada, raios danados que seja!...” – assim; e quem gritou, isto a mais, foi Só Candelário.
Tudo tão aos traques de-repente, não sei, eu nem acabei o relance que me arrepiou minha idéia: que eu tinha feito grande toleima, que decerto ia ser para piorar – o que foi no eu dizer que Zé Bebelo não matava os presos; porque, se do nosso lado se matava, então não iam gostar de escutar aquilo de mim, que podia parecer forte reprovação. Aos brados bramados de Sô Candelário, temi perder a vez de tudo falar. Aí, nem olhei para Joca Ramiro – eu achasse, ligeiro demais, que Joca Ramiro não estava aprovando meu saimento. Aí, porque nem não tive tempo
– porque imediato senti que tinha de completar o meu, assim:
– `... A ver. Mas, se a gente der condena de absolvido: soltar este homem Zé Bebelo, a mãvazias, punido só pela derrota que levou – então, eu acho, é fama grande. Fama de glória: que primeiro vencemos, e depois soltamos...” ; em tanto terminei de pensar: que meu receio era tolo: que, jagunço, pelo que é, quase que nunca pensa em reto: eles podiam achar normal que da banda de cá os inimigos presos a gente matasse,
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas mas apreciavam também que Zé Bebelo, como contrário, tivesse deixado em vida os companheiros nossos presos. Gente airada...
– “... Seja fama de glória! Só o que sei... Chagas de Cristo!...” – eta Só Candelário tornou a atalhar. Desadorou-se!
Senhor de bofe bruto, sapateou, de arrompe: os de perto se afastando, depressa, por a ele darem espaço. Agora o Hermógenes havia de alguma coisa dizer? O Hermógenes experimentava os dentes nos beiços. Ricardão fazia que cochilava. Só Candelário era de se temer inteiro.
Somente que, em vez do trestampo, que a gente esperasse, e que ninguém bridava, ele Só Candelário espiou para cima, às pasmas, consoante sossegado estúrdio recitou, assim em tom – a bonita voz, de espírito:
– “... Seja a fama de glória... Todo o mundo vai falar nisso, por muitos anos, louvando a honra da gente, por muitas partes e lugares. Hão de botar verso em feira, assunto de sair até divulgado em jornal de cidade...” – Ele estava mandarino, mesmo.
Aí eu pensei, eu achei? Não. Eu disse. Disse o verdadeiro, o ligeiro, o de não se esperar para dizer: – “... E, que perigo que
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas tem? Se ele der a palavra de nunca mais tornar a vir guerrear com a gente, decerto cumpre. Ele mesmo não há de querer tornar a vir. É o justo. Melhor é se ele der a palavra de que vai-s’embora do Estado, para bem longe, em desde que não fique em terras daqui nem da Bahia...” – eu disse; disse mansinho mãe, mansice; caminhos de cobra.
– “Tenho uns parentes meus em Goiás...” – Zé Bebelo falou, avindado de repente. E falou quando não se aguardava, e também assim com tanta vontade de falar, que alguns muito se riram. Eu não ri. Tomei uma respiração, e aí vi que eu tinha terminado. Isto é, que comecei a temer. Num esfrio, num átimo, me vesti de pavor. O que olhei – Joca Ramiro teria estado a gestos? – Joca Ramiro fazendo um gesto, então queria que eu calasse absolutamente a boca; eu não possuía vênia para discorrer no que para mim não era de minha alta conta. Eu quis, de repentemente, tornar a ficar nenhum, ninguém, safado humildezinho...
Mas Titão Passos trucou, senhor-moço. Titão Passos levantava a testa. Ele, que no normal falava tão pouco, pudesse dar capacidade de tantas constâncias?
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Titão Passos disse: – “... Então, ele indo para bem longe, está punido, desterrado. É o que eu voto por justo. Crime maior ele teve? Pelos companheiros nossos, que morreram ou estão ofendidos passando mal, tenho muito dó...”
Só Candelário disse: – “... Mas morrer em combate é coisa trivial nossa; para que é que a gente é jagunço?! Quem vai em caça, perde o que não acha...”
Titão Passos disse: – “... E mortes tantas, isso não é culpa de chefe nenhum. Digo. E mais que esses grandes de nossa amizade: doutor Mirabô de Melo, coronel Caetano, e os outros –
hão de concordar com a resolução que a gente tome, em desde que seja boa e de bom proveito geral. É o que eu acho, Chefe. Às ordens...” – Titão Passos terminou.
O silêncio todo era de Joca Ramiro. Era de Zé Bebelo e de Joca Ramiro.
Ninguém não reparava mais em mim, não apontavam o eu ter falado o forte solene, o terrivelmente; e então, agora, para todos os de lá, eu não existisse mais existido? Só Diadorim, que quase me abraçava: – “Riobaldo, tu disse bem! Tu é homem de todas valentas_” Mas, os outros, perto de mim, por que era que
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas não me davam louvor, com as palavras: – Gostei de ver!
Tatarana! Assim é que é assim! Só, que eu tinha pronunciado bem, Diadorim mais me disse: e que tinha sido menos por minhas tantas palavras, do que pelo rompante brabo com que falei, acendido, exportando uma espécie de autoridade que em mim veio. E para Zé Bebelo eu não tinha olhado. Que era que ele de mim devia de estar pensando? E Joca Ramiro? Esses se fronteavam: um ao outro, e o em meio, se mediam.
Rente que nesse resto de tempo decerto cruzaram palavras, que não deram para eu ouvir. Pois porque Zé Bebelo teve ordem de falar, devia de ter tido. A licença. Principiou. Foi discorrendo vagaroso, de entremeado, coisa sem coisa. Vi e vi: ele estava só apalpando o vau. Sujeito finório. Aí o qualquer zunzo que houvesse, ele colhia e entendia no ar – estava com as orelhas por isso, aquela cabeça sobrenadando. Já um pouco descabelado. Mas serenou sota, para diante.
– `... Altas artes que agradeço, senhor chefe Joca Ramiro, este sincero julgamento, esta bizarria... Agradeço sem tremor de medo nenhum, nem agências de adulação! Eu. José, Zé Bebelo, é meu nome: José Rebelo Adro Antunes! Tataravô meu Francisco Vizeu Antunes – foi capitão-de-cavalos... Demarco idade de
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas quarenta-e-um anos, sou filho legitimado de José Ribamar Pacheco Antunes e Maria Deolinda Rebelo; e nasci na bondosa vila mateira do Carmo da Confusão...”
Oragos. Para que a tanta sensaboria toda, essas filosofias?
Mas porém ele pronunciava com brio, sem as papeatas de em antes, sem o remonstrar nem os reviretes:
– “... Agradeço os que por mim bem falaram e puniram...
Vou depor. Vim para o Norte, pois vim, com guerra e gastos, à frente de meus homens, minha guerra... Sou crescido valente, contra homens valentes quis dar o combate. Não está certo? Meu exemplo, em nomes, foram estes: Joca Ramiro, Joãozinho Bem-Bem, Só Candelário!... e tantos outros afamados chefes, uns aqui presentes, outros que não estão... Briguei muito mediano, não obrei injustiça nem ruindades nenhumas; nunca disso me reprovam. Desfaço de covardes e de biltragem! Tenho nada ou pouco com o Governo, não nasci gostando de soldados... Coisa que eu queria era proclamar outro governo, mas com a ajuda, depois, de vós, também. Estou vendo que a gente só brigou por um mal-entendido, maximé. Não obedeço ordens de chefes políticos. Se eu alcançasse, entrava para a política, mas pedia ao grande Joca Ramiro que encaminhasse seus brabos cabras para
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