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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas sabente de si. Zé Bebelo mandava, ele tinha os feios olhos de todo pensar. A gente preenchia. Menos eu; isto é – eu resguardava meu talvez.
Mas, aí, de abalo, o Lacrau, que tinha persistido quieto feito ouvindo santa-missa perto do altar, ele surge se vira-virou, pelo repente, a traque disse:
– “Aqui, eu, eu fico no meio de vós, meu Chefe! – a que vim para isto. Sou homem que sempre fui: do estado de Joca Ramiro – ele é o das próprias cores... Agora, meu braço ofereço, Chefe. A por tudo quanto, se sepreponha o senhor de me aceitar...”
A acarra daquilo, tão exclamaste, a forte palavra. Assomo assim de frechar surpresa, a gente capistrou, grossamente, e sem fala. Tudo o que ele disse, o Lacrau se empinou em-pé.
Onde mais, deixou o silêncio se perfazer da questão anterior –
a suplicação, o concitado. O que era fato imponente, digo ao senhor; mire veja, mire veja. Ânimo nos ânimos! A quanto, semelhavelmente, esse Lacrau não se comportava sem consciência sisuda, no amor mais à-mão, para se segurar com trincheiras; mas, assim mesmo, a gente em aperto de cerco, ele
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas tinha querido vir, para sócio. Alguém ficou como pasmado?
Zé Bebelo, não.
– “Aqui me praz, que te aceito, rapaz!” – Zé Bebelo deferiu.
A guerra tem destas coisas, contar é que não é plausível.
Mas, mente pouco, quem a verdade toda diz. Trás isso, o Rodrigues Peludo esbarrou, o instante, mas endurecendo a cabeça, para não se virar para espiar para o Lacrau. Em tanto que o Lacrau, meio mostrando o rifle, pronunciou: – “Estou na regra, tio mano, que na regra estou, como senhor de minhas ações, contra quem eu seja. E a carabina – porque sempre foi minha de posse, arma que de patrão não ganhei.
Estou inteiro...” Ninguém respondeu palavra. Sendo que o Rodrigues Peludo deixou de contravir, e, puxando pelo sair assim, escorregou adiante o corpo, se foi.
Numa roda-morta, se esperou, ré que de lá, da dobrada duma ladeirinha, os três tiros eles deram, somando o aprovado. A tanto, tresmente, também se respondeu desfechando. Aí, para a gente Zé Bebelo disse: – “Sou lá o maluco? Aqueles outros não têm a constância de observar,
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas não merecem a palavra dada. O que fiz, foi encaminhar o que vamos pôr em obra. E aceitei nossa vitória!”
Seja ou não se aquele negócio entendessem, os companheiros aprovavam. Até Diadorim. Seja Zé Bebelo levantava a idéia maior, os prezados ditos, uma idéia tão comprida. O teatral do mundo: um de estadela, os outros ensinados calados. Sempre sendo, em todo o caso, que Zé Bebelo me semiolhava espreitado avulso, sob receios e respeito.
Só eu, afora ele, ali, misturava as matérias. Só eu era que guardava minha exata esperaçao, o que me engraçava. O que era que Zé Bebelo ia proceder, nas horas vespertinas, no posto-que? Do que ele tinha pensado e principiado – as tramóias de trair – ia poder largar, e achar feição para outro salvamento, agora, nessa con-junção? Mas, porém, não nego que eu, mesmo por estima, queria que ele bem acertasse na tarefa de meter seu siso, de remerecer.
O raciocínio, que dele eu gostava, constante de admiração; e pela necessidade. Medonho e esquisito achei, que fosse para ter de matar completo Zé Bebelo. Como é que? Mas ele abria lugar demais, o perto demais, sobre papel que não era o pra ele, a meu parecer. Pelo que eu tinha precisão de me livrar, daquele movimento sem termo nem nenhumas outras ociosidades. O senhor
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas me organiza? Saiba: essas coisas, eu pouco pensei, no lazer de um momento.
– “Amigos, agora eu louvo e a todos gabo, cada um qual melhor. E então vamos voltados: papocar fogo, pra paga, até a noitinha se ilustrar!” – Zé Bebelo determinou, tão versado. A este ponto, que, por se possuir basta munição, a gente se prezasse de atirar, por sustos e estragos, primeiramente para o aviável do matinho dos pastos e da baixada, e dos morrotes cerradeiros, onde existiam uns valos. Com o que, no ablativo do mandado, Marcelino Pampa ia retornar para as senzalas, o Freitas Macho para a tulha, e para o engenho o Jõe Bexiguento, sobrenomeado
“Alparcatas”. Mas Zé Bebelo reservou que eu estivesse com ele e mais Alaripe, por se pôr o Lacrau em conversa deposta.
Onde o que o Lacrau teve para relatar era pouco, pouco.
Deu razão das coisas perguntadas. Dizendo que o inimigo se formava em tanto de uns cem, mas a quanta parte deles de jagunços mal assentados, sem quilates; ainda aguardavam outra gente por vir, de refrescos, que decerto em pronto não viessem, por estorvo dos soldados. Nisso não sabia contar das pessoas nem dos maiores motivos do Hermógenes e do Ricardão, nem acerca da morte de loca Ramiro aumentava passagens mais do
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas que as de todos já entendidas. Daí, no que Zé Bebelo e Alaripe se afastaram no corredor, ele Lacrau aliviado se gracejou de rosto, como falou: – “O esmarte homem que é este chefe nosso Zebebéo! Outro não vi, para espiritar na gente o pavor e a ação de acerto...” As agudezas. A vez da má verdade.
Fomos. Fui. Para o recanto duma janela, nesse comenos. A pra efetuar fogo. A ordem não era-de? Desígnios esses, de Zé Bebelo. Sucinto em cada puxada de gatilho, relembrei o dito do Lacrau: que Zé Bebelo o que era. Sendo que uma criatura, só a presença, tira o leite do medo de outra. Aí, Diadorim mesmo, que era o mais corajoso, sabia tanto? O que o medo é: um produzido dentro da gente, um depositado; e que às horas se mexe, sacoleja, a gente pensa que é por causas: por isto ou por aquilo, coisas que só estão é fornecendo espelho. A vida é para esse sarro de medo se destruir; agunço sabe. Outros contam de outra maneira.
A ordem de se jantar, o jacaré veio avisando. Comi a pura farinha. Tomei mais. – “Os soldados?” – era o que mais se perguntava. Tinham esbarrado tiroteio, a gente não escutava o costurar. Medido nas suas partes, o dia estava gastado; beirava o prazo da decisão. Excogitei – “Diadorim, esta noite, no começo
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas da hora, você vem para perto, me assiste, comigo.” Mas Diadorim contradisse de querer saber que modos meus que eram, as tantas espécies. Ainda pensei no Alaripe. A ele me fiz. –
“A de paga, amigo. Ora veja...” – o Alaripe divertido me achou.
De qual deles, agora, eu ia cobrar e arrecadar? Acauã ou o Mão-de-Lixa, ou Diodolfo? Todos seguiam caminho de seus costumes; no novo não conseguiam de se nortear. Três tristes de mim! Ali eu era o indez? Noção eu nem acertava, de reger; eu não tinha o tato mestre, nem a confiança dos outros, nem o cabedal de um poder – os poderes normais para mover nos homens a minha vontade. Mesmo meu braço do ferimento, que já estava muito melhorado por si, aí tornou a doer, no injusto, em tanto que isto se passava. Adrede, no retorcer do vento, apurei o ruto de nossos cavalos, os ossos de feder, só a lástima. Será que eu tivesse por dever de peitar pessoas? Ah, nos curtos momentos, eu não ia explicar a eles coisas tão divagadas, e que podiam mesmo não vir a ter fundamento nenhum. Porque – eu digo ao senhor – eu mesmo duvidava. Tivesse de vigiar no estreito Zé Bebelo, atravessar o projeto dele se o caso fosse, que modo que eu ia enfrentar um homem assim? Ah, o julgamento no Sempre-Verde tinha sido relaxado em brando – para valer preços. Zé Bebelo, sozinho por si, em outro sobrecalor de
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas regimento, servisse para governar os arrancos do sertão? “Não me importo... Não me importo...” – eu quis, com outras palavras tais. Ali eu não tinha risco. Ali alguém ia me chamar de Senhor-meu-muito-rei? Ali nada eu não era, só a quietação. Conto os extremos? Só esperei por Zé Bebelo: – o que ele ia achar de fazer, ufano de si, de suas proezas, malazarte.
Deu comigo. – “Riobaldo, Tatarana...” Anda que me encarava, os sagazes olhos piscados. Aquele, me entendia; me temesse? – “Riobaldo, Tatarana, vem comigo, quero ver a opinião, sem sinal nem prova...” Ali me levou para uma janela da cozinha, de lá a grande espaço se tinha vista para o morro, com seus matos. Zé Bebelo pegou o caneco, que encheu no pote d’água. Também bebi. Assim escutei: ele falava comigo, com o efeito de uma amizade.
– “Rapaz, você é um que aceita o matar ou morrer, simples igualmente, eu sei, você é desabusado na coragem melhor – que é a da valentia produzida...”
Só mostrei meus ombros; seja que eu secundei.
– “A tão bom: que é que eles agora vão fazer, os da banda contrária?” – aí ele indagou de mim.
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas
– “Ora... O que não sei, e saber quero, é – a gente ; o que é que a gente agora vai fazer?” – perguntei para cima. Outro tal, repontei: – “Estou em claro. E estou em dúvida. Todo tempo me gasta...” – isto assim dito.
Só que Zé Bebelo queria não ouvir, a seu seguro:
– “Te põe no lugar. Hem? O que eles fazem é que, a estas horas, estão no desembargar, para aquele morro, que é aonde soldados não apertam cerco. De lá foram por esse sul abaixo, via torta; de madruga já por lá, no Buriti-Alegre, que foram surgir, escrevo. Agora, hem, maximé? – e os soldados? Andam tomando contas daí, que são lugares rededores, salvante a sapata do morro, e dela os pertos – a cava –, porque lá, conforme a boa regra de razão, paravam com os tiros sobre si. Oh, se sabe!”
Noves e nada eu não dissesse.
– “A bem. Ã e nós?” – Zé Bebelo tornou a indagar.
A resposta não dei. Aquilo tudo eu estava pondo de remissa.
– “Ah, tempo de partida! A gente, nós, vamos é rente por essa cava, Riobaldo, meu filho. Sem tardada-porque daqui a pois sai é a lua, declaradamente...”
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