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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas costume necessário, que sem isso ele não conseguia direito se pertencer. Com meus olhos, tomei conta.

- “Quem é que é o Chefe?!” – repeti.

Me olharam. Saber, não soubessem, não podiam como responder: porque nenhum deles não era. Zé Bebelo ainda fosse?

Esse pardejou. E, o João Goanhá, eu vi aquele mestre quieto se mexer, em quente e frio, diante das minhas vistas-nem não tinha ossos: tudo nele foi encurtando medidagesto, fala, olhar e estar.

Nenhum deles. E eu – ah – eu era quem menos sabia – porque o Chefe já era eu. O Chefe era eu mesmo! Olharam para mim.

- “Quem é qu’...”

E... Ao que o pessoal, os companheiros todos, convocados, fechavam roda. Eu felão. Não me entendessem? Foi que alguns dos homens rosnaram. E foi esse Rasga-em-Baixo, o principal deles, esse, pelo que era, pelo visto, oculto inimigo meu – que buliu em suas armas... Sanha aos crespos, luziu faca, no a-golpe...

Meu revólver falou, bala justa, o Rasga-em-Baixo se fartou no chão, semeado, já sem ação e sem alma nenhuma dentro. E aí o irmão dele, José Félix: ele tremeu muito lateral; livrou o ar de sua pessoa; outro tiro eu também tinha dado...

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

- “ ... é o Chefe?!...”

Ato de todos quietos permanecidos, esbarrados com tanta singelez de choques. Ah, eu, meu nome era Tatarana! E

Diadorim, jaguarado, mais em pé que um outro qualquer, se asava e abava, de repor o medo mor. Ele veio marechal. Se viram, se sentiram, decerto que acertaram: pelos altos de nós dois; e porque logo aí Alaripe, o Acauã, o Fafafa, o Nélson, Sidurino, Compadre Ciril, Pacamã-de-Presas – e outros e outros-já formavam do lado da gente. – Tenho de chefiar! – eu queria, eu pensava. Isso eu exigia. Assim. João Goanhá se riu para mim.

Zé Bebelo sacudiu uns ombros.

Ali, era a hora. E eu frentemente endireitei com Zé Bebelo, com ele de barba a barba. Zé Bebelo não conhecia medo. Ao então, era um sangue ou sangues, o etcétera que fosse. Eu não aceitava muita parlagem: - “Quem é que é o Chefe?” – eu quis.

Se quis, foi com muita serenidade. Zé Bebelo retardou. Eu social, encostado. Conheci que ele tardava e pensava, para ver o que fazer mais vagarosamente.

- “Quem é-que?” – eu brando apertei.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Eu sabia do respirar de todos. Durasse mais, aquilo eu já largava, por me cansar, por estar achando cacete. Minha vontade estroina de paliar: – Seu Zé Bebelo, velho, tu me desculpe... – eu calei. Zé Bebelo se encolheu um pouco, só. Aí ele não tremeu, no sucinto dos olhos.

- “A rente, Riobaldo! Tu o chefe, chefe, é: tu o Chefe fica sendo... Ao que vale!...” – ele dissezinho fortemente, mesmo mudado em festivo, glo riando um fervor. Mas eu temi que ele chorasse. Antes, em rosto de homem e de jagunço, eu nunca tinha avistado tantas tristezas.

- “Sendo vós, companheiros...” – eu falei para em volta.

Tantos, tantos homens, os nos rifles, e eles me aceitavam.

Assim aprovaram. O Chefe Riobaldo. Aos gritos, todos aprovavam. Rejuravam, a pois. A esses resultados. No que eram com solenidade, sinceridade. Tudo dado em paz. Só aqueles dois amaldiçoados irmãos, baldeados mortos, na ponta de unha. Ali, enterrar aqueles dois seria faltar a meu respeito. Amém. Tudo me dado. O senhor, mire e veja, o senhor: a verdade instantânea dum fato, a gente vai departir, e ninguém crê. Acham que é um falso narrar. Agora, eu, eu sei como tudo é: as coisas que acontecem, é porque já estavam ficadas prontas, noutro ar, no sabugo da unha;

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas e com efeito tudo é grátis quando sucede, no reles do momento.

Assim. Arte que virei chefe. Assim exato é que foi, juro ao senhor. Outros é que contam de outra maneira.

Ao fim, depois que João Goanhá me aprovou, revi os aspectos de Zé Bebelo. Acertar com ele.

- “O senhor, agora...” – eu quis dizer.

- “Não, Riobaldo...” – ele me atalhou. - “Tenho de tanger urubu, no m’embora. Sei não ser terceiro, nem segundo. Minha fama de jagunço deu o final...”

Daí, riu, e disse, mesmo cortês: - “Mas, você é o outro homem, você revira o sertão... Tu é terrível, que nem um urutu branco...”

O nome que ele me dava, era um nome, rebatismo desse nome, meu. Os todos ouviram, romperam em risos. Contanto que logo gritavam, entusiasmados: - “O Urutu-Branco! Ei, o Urutu-Branco!...”

Assim era que, na rudeza deles, eles tinham muita compreensão. Até porque mais não seria que, eu chefe, agora ainda me viessem e dissessem Riobaldo somente, ou aquele apelido apodo conome, que era de Tatarana. Achei, achava.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Vai, e eu, por um raio de momento, eu tinha concebido que carecesse de tirar a vida a Zé Bebelo, por maior sossego de meu reger, no futuramente; e agora eu estava quase triste, com pena de ver que ele ia-s’embora. O divertido havia de ser, sim isso, de levar Zé Bebelo comigo, de sotenente, através desse através. Ah, homem como aquele, não se matava. Homem como aquele, pouco obedecia. A ele mandei fornecer mais um cavalo, e um cargueiro – com mantimento, coisas, munição melhor. Dali a hora, mesmo, ele pegou caminho. Para o sul. Vi quando ele se despediu e tocou – com o bom respeito de todos ; e fiquei me alembrando daquela vez, de quando ele tinha seguido sozinho para Goiás, expulso, por julgamento, deste sertão. Tudo estava sendo repetido. Mas, da vez dessa, o julgamento era ele, ele mesmo, quem tinha dado e baixado. Zé Bebelo ia s’embora, conseguintemente. Agora, o tempo de todas as doideiras estava bicho livre para principiar.

De seguida, parado persisti, para um prazo de fôlego. Aí vendo que o pessoal meu já me obedecia, prático mesmo antes da hora. Como que corriam e mexiam, se aprontando para saída, sacudiam no ar os baixeiros, selavam os cavalos. Tantos e tantos, eu sabia o nome e o defeito maior de cada um daqueles homens, e tantos seus braços e tantos rifles e coragens. Aí eu mandava. Aí

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas eu estava livre, a limpo de meus tristes passados. Aí eu desfechava. Sinal como que me dessem essas terras todas dos Gerais, pertencentes. Por perigos, que por diante estivessem, eu aumentava os quilates de meu regozijo. À fé, quando eu mandasse uma coisa, ah, então tinha de se cumprir, de qualquer jeito. - “Tenho resoluto que!” – e montei, com a vontade muito confiada. Dali a gente tinha logo de sair, segundo ã regra exata.

Estradeei. Nem olhei para trás. Os outros me viessem? Cantava o trinca-ferro. Uma arara chiou cheio; levou bala, quase. Atrás de mim, os cabras deram vivas. Eles vinham, em vinham. Eu contava, prazido, o tôo dos cascos.

Dei galope. No Valado chegamos, conforme íamos retornar, por assim. De galope, como está dito. Gente, gentinha, nos rodeou, roceiros em seu serviço. Aquele seô Habão, incluso, muito estarrecido. Esbarramos parada. O que eu carecia era de uns instantes sempre meus, para estribar meu uso. Era primeira viagem saída, de nova jagunçagem; e as extraordinárias cousas, para que todos admirassem e vissem, eu estava em precisão de fazer. E vi um itambé de pedra muito lisa; subi lá. Mandei os homens ficassem embaixo, eles outros esperavam. Minha influência de afã, alegria em artes, não padecesse de se estorvar em monte de pessoas nenhumas. De despiço, olhei: eles nem

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas careciam de ter nomes – por um querer meu, para viver e para morrer, era que valiam. Tinham me dado em mão o brinquedo do mundo.

Fiquei lá em cima, um tempo. Quando desci, umas coisas eu resolvia. Aonde se ia; em cata do Hermógenes? Ah, não.

Antes, primeiro, para o Chapadão do Urucuia, onde tanto boi berra. Ao que me seguissem. Ah, mas, assim, não. O que foi o que eu pensei, mas que não disse: – Assim não...

E veio perante minha presença o seô Habão, mais antecipado que todos; macio, atarefadinho, ele já me sussurrava.

Homem, esse! Ele queria me oferecer dinheiro, com seus meios queria me facilitar. Ah, não! de mim ele é que tinha de receber, tinha de tomar. Agarrei o cordão de meu pescoço, rebentei, com todas aquelas verônicas. As medalhas, umas delas que eu tinha de em desde menino. Fiz gesto: entreguei, na mão dele. O senhor havia de gostar de ver o ar daquele seô Habão, forçado de aceitar pagamento do que nem eram correntias moedas de tesouro do rei, mas costumeiras prendas de louvor aos santos. Ele estava em todos tremores – conforme esses homens que não têm vergonha de mostrar medo, em desde que possam pedir à gente perdão com muita seriedade. Digo ao senhor: ele beijou minha mão! Ele

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas devia de estar imaginando que eu tinha perdido o siso. Assim mesmo, me agradeceu bem, e guardou com muito apreço as medalhas na algibeira; até porque, não podia obrar de outra forma. Matar aquele homem, não adiantava. Para o começo de concerto deste mundo, que é que adiantava? Só se a gente tomasse tudo o que era dele, e fosse largar o cujo bem longe de lá, em estranhas terras, adonde ele fosse preta-e-brancamente desconhecido de todos: então, ele havia de ter de pedir esmolas...

Isso, naquela hora, pensei. Ah, não. E nem não adiantava: mendigo mesmo, duro tristonho, ele havia ainda de obedecer de só ajuntar, ajuntar, até à data de morrer, de migas a migalhas...

As verônicas e os breves ele vendesse ou avarasse para os infernos. Comigo só o escapulário ainda ficou. Aquele escapulário, dito, que conservava pétalas de flor, em pedaço de toalha de altar recosturadas, e que consagrava um pedido de benção à minha Nossa Senhora da Abadia. Que, mesmo, mais tarde, tornei a pendurar, num fio oleado e retrançado. Esse eu fora não botava, ah, agora podia desdeixar não; inda que ele me reprovasse, em hora e hora, tantos meus malfeitos, indas que assim requeimasse a pele de minhas carnes, que debaixo dele meu peito todo torcesse que nem pedaço quebrado de má cobra.

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