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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas da hora, você vem para perto, me assiste, comigo.” Mas Diadorim contradisse de querer saber que modos meus que eram, as tantas espécies. Ainda pensei no Alaripe. A ele me fiz. –

“A de paga, amigo. Ora veja...” – o Alaripe divertido me achou.

De qual deles, agora, eu ia cobrar e arrecadar? Acauã ou o Mão-de-Lixa, ou Diodolfo? Todos seguiam caminho de seus costumes; no novo não conseguiam de se nortear. Três tristes de mim! Ali eu era o indez? Noção eu nem acertava, de reger; eu não tinha o tato mestre, nem a confiança dos outros, nem o cabedal de um poder – os poderes normais para mover nos homens a minha vontade. Mesmo meu braço do ferimento, que já estava muito melhorado por si, aí tornou a doer, no injusto, em tanto que isto se passava. Adrede, no retorcer do vento, apurei o ruto de nossos cavalos, os ossos de feder, só a lástima. Será que eu tivesse por dever de peitar pessoas? Ah, nos curtos momentos, eu não ia explicar a eles coisas tão divagadas, e que podiam mesmo não vir a ter fundamento nenhum. Porque – eu digo ao senhor – eu mesmo duvidava. Tivesse de vigiar no estreito Zé Bebelo, atravessar o projeto dele se o caso fosse, que modo que eu ia enfrentar um homem assim? Ah, o julgamento no Sempre-Verde tinha sido relaxado em brando – para valer preços. Zé Bebelo, sozinho por si, em outro sobrecalor de

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas regimento, servisse para governar os arrancos do sertão? “Não me importo... Não me importo...” – eu quis, com outras palavras tais. Ali eu não tinha risco. Ali alguém ia me chamar de Senhor-meu-muito-rei? Ali nada eu não era, só a quietação. Conto os extremos? Só esperei por Zé Bebelo: – o que ele ia achar de fazer, ufano de si, de suas proezas, malazarte.

Deu comigo. – “Riobaldo, Tatarana...” Anda que me encarava, os sagazes olhos piscados. Aquele, me entendia; me temesse? – “Riobaldo, Tatarana, vem comigo, quero ver a opinião, sem sinal nem prova...” Ali me levou para uma janela da cozinha, de lá a grande espaço se tinha vista para o morro, com seus matos. Zé Bebelo pegou o caneco, que encheu no pote d’água. Também bebi. Assim escutei: ele falava comigo, com o efeito de uma amizade.

– “Rapaz, você é um que aceita o matar ou morrer, simples igualmente, eu sei, você é desabusado na coragem melhor – que é a da valentia produzida...”

Só mostrei meus ombros; seja que eu secundei.

– “A tão bom: que é que eles agora vão fazer, os da banda contrária?” – aí ele indagou de mim.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

– “Ora... O que não sei, e saber quero, é – a gente ; o que é que a gente agora vai fazer?” – perguntei para cima. Outro tal, repontei: – “Estou em claro. E estou em dúvida. Todo tempo me gasta...” – isto assim dito.

Só que Zé Bebelo queria não ouvir, a seu seguro:

– “Te põe no lugar. Hem? O que eles fazem é que, a estas horas, estão no desembargar, para aquele morro, que é aonde soldados não apertam cerco. De lá foram por esse sul abaixo, via torta; de madruga já por lá, no Buriti-Alegre, que foram surgir, escrevo. Agora, hem, maximé? – e os soldados? Andam tomando contas daí, que são lugares rededores, salvante a sapata do morro, e dela os pertos – a cava –, porque lá, conforme a boa regra de razão, paravam com os tiros sobre si. Oh, se sabe!”

Noves e nada eu não dissesse.

– “A bem. Ã e nós?” – Zé Bebelo tornou a indagar.

A resposta não dei. Aquilo tudo eu estava pondo de remissa.

– “Ah, tempo de partida! A gente, nós, vamos é rente por essa cava, Riobaldo, meu filho. Sem tardada-porque daqui a pois sai é a lua, declaradamente...”

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Ao que, já se estava no ponto. Anoitecido. A uma estrela se repicava, nos pretos altos, o que vi em virtude. A estrelinha, lume, lume. Assim – quem era que tinha podido mais? Zé Bebelo, ou eu? Será, quem era que tinha vencido?

Quite com isso, no cumprir, entreguei os destinos.

O truztruz. Com pouco, nesse passo, os todos homens se apessoando, no corpo daquele corredor – as fileiras em mexe-mexe desde a sala-defora até à cozinha, sobre mais entre os conspirados silêncios, os movimentos com energias. Arte e tanto, Zé Bebelo expunha o que recomendava. Sempre uma ou outra lamparina se acendeu, para os companheiros empalidecidos.

Agora a gente ia romper a pé, sem os recursos, dava dó era a quantia de munição de se largar ali, no se pôr em salvo. Assaz, então, tudo o que possível se encheu, de balas e caixas – os bornais e capangas, patronas e cartucheiras. Mas não bastava. A ser que, daí, um inventou uma fronha de cama: a que, presada com correia ou corda, para tiracol, concabia tiros em boa dose; e muitos assim aproveitavam, logo não restou fronha a dispor.

Mesmo, a alguma matula, também, se devia, por garantir. Desde aí, no concorrer, se saía por uma porta. O quanto a noite se atravava de bom grosso. Adiante primeiro foram mandados João

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Concliz, Moçambicão e Suzarte, para reconhecerem se estava limpo o caminho, rumo de fuga, sem o estorvável. Ponto que os poucos feridos, que havendo, se queixavam em condições, mesmo o Nicolau, que se escorava no rifle e às vezes se retardava. Só ficando na Casa os mortos, que não careciam de se rezar a eles adeus, os soldados amanhã que viessem, que enterrassem.

Soformamos diversos golpes, acho que cinco, Diadorim e eu entramos no derradeiro, com o comando do próprio Zé Bebelo; e com o Acauã, o Fafafa, Alaripe e Sesfredo, que acompanhavam comigo. Saíram os de primeiramente, iam um ante outro – como um rio a buscar baixo; ou um cão, cão. A gente demorava.

Aquela cozinha grande, no cabo do negócio, muito aprisionava, de sobreleve; e contei os companheiros, as respirações. Saíram outros e outros. Dos dianteiros, nem se percebia rumor. Toda a hora eu esperava um tiro e um grito de alto-lá-o-rei! Mas era só o tremer daquela paz em proporção. Admirei Zé Bebelo. A vez nossa chegada, ali o acostumar os olhos com o outro mudar.

Abaixamos, e saímos também. Semoveu-se.

Livrados! No escuso, o tudo ajudando, fizemos passagem, avante mais. Tempo que andamos, contracalados, soprando o sangue para se esfriar; até que se cobrou veras de perigo não haver, no regozijo de poupados de qualquer espreita ou

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas agredimento. Se esbarrou, para ar, um sueto de uns momentos. –

“Não é que o gato ficou lá...” – um, risonho, falou. – “Ah, demais. A lá é a Casa...” – outro se pôs. Aquela à-morte fazenda-grande dos Tucanos. Vai, eu, o cheiro fartado, bom, de folhas folhagens e do capim do campo, enunciou em meu lembrar o mau-cheiro dos defuntos, que agora próprio no meu nariz eu nem não aventava mais. E Zé Bebelo, segredando comigo, espiou para trás, observou assim, pegando na minha mão: –

“Riobaldo, escuta, botei fora minha ocasião última de engordar com o Governo e ganhar galardão na política...” Era verdade, e eu limpei o haver: ele estava pegando na mão do meu caráter. Aí, aclarava – era o fornido crescente – o azeite da lua. Andávamos.

Saiba o senhor, pois saiba: no meio daquele luar, me lembrei de Nossa Senhora.

A de entre, entramos, pela esquerda e rumo do norte.

Desde o depois, o do poente mesmo. Com foras e auroras, estávamos outra vez no público do campo. Antes da manhã, agora se passava a Vereda-Grande, no Vaudos-Macacos. Ao que, em rompendo a luz toda da manhã, se chegou no sítio dum Dodó Ferreira, onde a gente bebeu leite e os meus olhos pulavam nas árvores. Aquilo, de verdade, e eu em mim – como um boi que se sai da canga e estrema o corpo por se prazer.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Assim foi que, nesse arraiar de instantes, eu tornei a me exaltar de Diadorim, com esta alegria, que de amor achei. Alforria é isso.

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