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– “Homem, te vira de costas!” – Zé Bebelo regrou.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas No assim simples eles obedeceram, tanto um, tanto o outro. Mas estavam muito armados. Momentos que foram, eu louvei a coragem calma daqueles dois, que de qualquer longe recanto um soldado talvez estivesse em poder de derrubar por belprazer. Porque os soldados não pertenciam nessa cerimônia.

Afiguro o que pensei.

E Zé Bebelo perguntou, impondo ordem de resposta: que mandatela eles traziam? Do lado meu, o Diodolfo chiava boca num dente, conforme sestro dele, e o José Gervásio sussurrou: –

“Tramóia...” Mas Zé Bebelo regia tudo, mão em revólver. Um homem falar seu recado, de costas, no meio dos contrários, na boca de tantas armas – o senhor já presenciou essas circunstâncias? Assim o Rodrigues Peludo deu conta, sem rasgo de tremor na voz:

– “Com sua licença dada, e nos usos, estou trazendo estas palavras, Seô Chefe, que para repetir ao senhor fui mandado: –

Que, em vistas desses soldados, e do mais, que é contra todos, se não era mais aproveitável, para uma parte e outra, de se fazer trato de paz, por uns tempos... E por essa oferta é que venho, por ordens. Que – se serve, ou valor tem, o dito – pergunta faço;

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas e se o senhor há de estar ou não de acordo, me dando a resposta que queira dar, para eu levar para os meus chefes...”

– “Que chefes?” – Zé Bebelo indagou, sem tom de nenhuma malícia. Rodrigues Peludo demorou um ponto, fazendo menção de virar o rosto, mas o que deixou em tempo de fazer. E

contestou:

– “Nhô Ricardão. E seô Hermógenes...” – “E eles então estão querendo paz?”

– “Estão propondo um acordo correto...”

Em boa distância, do mato do grotal, estralejou um tiro, que era de fuzil. E uns outros, muito estampidos. O que aquilo me constou era que era falta de respeito. Tiros que não beiravam por aqui. Mas, mesmo assim, Zé Bebelo disse:

– “Homem, vocês podem abaixar o corpo.”

Rodrigues Peludo, sempre de costas, se agachou, depositou o rifle no chão; o Lacrau meio ajoelhado ficou. Agora eles estavam entre trincheiras. Agora a roda nossa, ajuntados os muitos companheiros brabos, com a bafagem da boa cachaça: o Marruaz que representou a dedo o sino-salomão no peito, no rumo do coração; o Preto Mangaba, que, mudando de estar,

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas esbarrou em mim – do que me lembro e sei, porque doeu em meu braço; e Diodolfo cuspiu forte – soluçou dos estômagos. E

o Fafáfa, repontante: – “Em paz, quem é que devolve vida em nossos cavalos?!” Aí o Moçambicão, atrás de mim, me ressoprou, como um boi reconhecendo minhas costas. Mas minha mão, por si, pegou a mão de Diadorim, eu nem virei a cara, aquela mão é que merecia todo entendimento. Mão assim apartada de tudo, nela um suave de ser era que me pertencia, um calor, a coisa macia somente. São as palavras? Mas aí espiei para Diadorim, e ele despertou do que tinha se esquecido, deixado, de sua mão, que ele retirou da minha outra vez, quase num repelão de repugno. E ele estava sombrio, os olhos riscados, sombrio em sarro de velhas raivas, descabelado de vento.

Demediu minha idéia: o ódio – é a gente se lembrar do que não deve-de; amor é a gente querendo achar o que é da gente. – “O

palavreado, destes!” – Diadorim chiou, por detrás dos dentes.

Diadorim queria sangues fora de veias. E eu não concordava com nenhuma tristeza. Só remontei um pasmo e um consolo expedito; porque a guerra era o constante mexer do sertão, e como com o vento da seca é que as árvores se entortam mais.

Mas, pensar na pessoa que se ama, é como querer ficar à beira d’água, esperando que o riacho, alguma hora, pousoso esbarre

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas de correr. E Alaripe buliu no bissaco, estava recheando de novo as suas cartucheiras. Mas isto tudo, que conto ao senhor, se compartiu de caber em pouquinhos minutos instantes. E do modo de um prosseguir sem partes. Porque Zé Bebelo, as mãos na cinta, se encurtava frio em siso, feito uma a cobra. O que disse, o quanto: – “Homem, e o que mais?”

– “Era tudo o que eu já falei, Chefe, seô. Ao que peço vossa resposta, para conduzir. E em caso de algum acordo, que é de bom respeito, as ordens tenho, para com meu juramento fechar trato...” – foi a resposta de Rodrigues Peludo, com a clara voz de quem está mais cumprindo do que querendo. Até inveja eu tive dele: porque, para viver um punhado completo, só mesmo em instâncias assim.

– “Antes bem” – Zé Bebelo glosou, – “quem é que está rodeando e vexando os outros, e atacando?”

– “O em usos... – é a gente... Isto é...” – o Rodrigues Peludo compôs o confessar.

– “Ah. Isto era. Ah, e então?!”

– “Ao que vim ajustar é propostas. Ao para salvo e lucro das nulas partes. As ambas. Caso se Ossa Seoria se concorde...”

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Somenos aprumo, nem o tom. Mas, de tudo seja, também, o que gravei, aí, desse Rodrigues Peludo, foi um ter-tem de existidas lealdades. Assim que, inimigo, persistia só inimigo, surunganga; mas enxuto e comparado, contra-homem sem o desleixo de si. E que podia conceber sua outra razão, também.

Assim que, então, os de lá – os judas – não deviam de ser somente os cachorros endoidecidos; mas, em tanto, pessoas, feito nós, jagunços em situação. Revés – que, por resgate da morte de J oca Ramiro, a terrível que fosse, agora se ia gastar o tempo inteiro em guerras e guerras, morrendo se matando, aos cinco, aos seis, aos dez, os homens todos mais valentes do sertão? Uma poeira dessa dúvida empoou minha idéia – como a areia que a mais fininha há: que é a que o rio Urucuia rola dentro de suas largas águas, quando as chuvaradas do inverno.

Ali, dos meus companheiros, tantos mortos. Acaso, que companheiros eram; e agora o que se depositava deles era o assunto de lembranças, e aquele amassado e envelhecido feder, que às horas repontava. Constado que produziam isso, mesmo estando amontoados no cômodo soturno, entrapadas as frestas da porta, e cá fora se torrando couros com folhas polvreadas. Mediante os estoques desse mau-cheiro, por certo Rodrigues Peludo e o Lacrau iam orçar a boa conta de nossos

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas mortos, afora os feridos, leves e graves. Mas Zé Bebelo ante-teve de mandar chamar Marcelino Pampa, João Concliz e muitos diversos outros, e o apinho e apessoar, nosso, ombros em ombros, aprazava efeito de bando significado, numeroso.

Com os vivos é que a gente esconde os mortos. Aqueles mortos – o Jósio, entortado prestes, com pedaços de sangue pendurados do nariz e dos ouvidos; o Acrísio, repousado numa agência quieta, que ele não havia de em vida; o Quim Pidão, no pormiúdo de honesto, que nunca nem tinha enxergado tremde-ferro, volta-e-outra a perguntar como seria; e Evaristo Caitité, com os altos olhos afirmados, esse sempre sido prazenteiro no meio de todos. Tudo por culpa de quem?

Dos malguardos do sertão. Ali ninguém não tinha mãe?

Redigo ao senhor: quando o raio, quando arraso, o Gerais responde com esses urros. A culpa daquele Rodrigues Peludo, por um exemplo? Desmenti. O ódio de Diadorim forjava as formas do falso. Odio a se mexer, em certo e justo, para ser, era o meu; mas, na dita ocasião, eu daquilo sabia só a ignorância. À-toa, até, que estava relembrando o Hermógenes.

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