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Tive mão em tudo, eles ainda estando longe. Fafafa encostou dois dedos no meu joelho, como se até às mudas quisesse poder receber a ordem. Ele esperava um instante certo de meu respirar. Eu brinquei com a mão no arção. Vez de um, vez: todos e todos. Falo o dito de jagunço: que eles mesmos não conseguiam saber se tinham algum medo; mas, em morte,

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas nenhum deles pensava. O senhor xinga e jura, é por sangue alheio.

Daí, reolhei. Avistei que vinham – e tinham destacado em galope, festinho adiante, uns tais, que se enviassem de vigiar a cava e a passagem de sobe-serra, como cautela. Fechei os olhos, e contei. Até dez, agüentei não, que me deu um deciso já em sete. – “Tu é tu, Fafafa!” – eu disse. E ele gritou: – “Xé, do campo!” –; e correu as esporas. E eu vi o virar dos cavalos –

partindo rompendo, amassando cama no capinzal. Seja que, os homens para acompanharem o Fafafa, eu medi em número e soltei, feito em porteira de gado: e pouco passaram de vinte. E

eu retinha a duro os outros, que queriam também ir. E

Diadorim, desses. – “Eu!” – que Diadorim disse. Eu disse: –

“Não!” – como agarrei embaixo a rédea do cavalo dele. Por que foi que fiz? Bastava o meu mando. Aquilo não tinha significado.

Só fiz querer Diadorim comigo; e a gente se cabia entre riscos do verde capim, assim eu Diadorim enxergava, feito ele estivesse enfeitado. Se escutando os grandes gritos e tiros: que eram os de Fafafa destruindo a anteguarda dos contrários. Amontado no instante, mas eu mesmo assim tive prazo para

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas me envergonhar de mim, e para sentir que Diadorim não era mortal. E que a presença dele não me obedecia. Eu sei: quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade...

Aí, me alteei, e tive: que era o começo da grande batalha.

Sobre o soprar, o Fafafa indo em frente, mais os dele, gritando alardes!

No que, os outros, os Hermógenes, também, que primeiro formavam mó, depressa alargaram espaço, se abrindo uns dos outros – mato de gente. Eles tresfuriavam assim, aos urros zurros, quantidade que eram; eh, sabiam vir, à cossa. E tiros mesmo pouco ouvi; mas, no liso seco estradai, do meio do campo, deu um pano de poeira, empenachada. Eu bebi gotas: digo, isto é, que ainda esperei mais. Como o Fafafa, de proposital – porque aqueles outros podiam recachar – retardava a ida avante, num meio-galope somente, muito enganador. A avistar melhor, quase trepei de todo na sela, meu animal cumprindo de não bulir, porque era cavalo consciencioso. Mas, enquanto isso, saiba o senhor o que foi que fiz! Que fiz o sinal-da-cruz, em respeito. E isso era de pactário? Era de filho do demo? Tanto que não; renego! E mesmo me alembro do que se

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas deu, por mim: que eu estava crente, forte, que, do demo, do Cão sem açamo, quem era era ele – o Hermógenes! Mas com o arrojo de Deus eu queria estar; eu não estava?!

Foi o instante de tempo que era o momento. Só chamei João Concliz: – “Agora é agora...” E joguei a rumo. – “Lá vai obra!” Meu cavalo saiu às cabeçadas. Todos atrás de mim, no arranque; e era o mundo mesmo. Gritei de sussus: – “Vale seis!

– e toma nove!...” – nas grimpas da voz... E eles meus, gritando tão feroz, que semelhavam sobrevindos sobre o ar. Menos vi.

Mas todo o todo do Tamanduá-tão se alastrou em fogo de guerra.

Suspenso – ouviu? – escapei, à de banda, com meu bom cavalo, repuxei as rédeas. Só assim permaneci, eu estava debaixo duma árvore muito galhosa; canjoão? Que pensei. E rompeu tiro, romperam, na polvorada. Até o capim dava assovio. E, por tudo se desejar de ver, tantamente demorava e ficava custoso, para em alguma justa coisa se afirmar os olhos. O que era feito grande mesa posta, cujos luxos motivos, por dizer, alguém puxa a toalha e, vai, derruba... Quem era que ia poder botar naquilo uma ordem, para um fim com vitória? E estralou bala... Repisei em minhas estribeiras, apertei as pernas nas espendas. Eu tinha

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas de comandar. Eu estava sozinho! Eu mesmo, mim, não guerreei.

Sou Zé Bebelo?! Permaneci. Eu podia tudo ver, com friezas, escorrido de todo medo. Nem ira eu tinha. A minha raiva já estava abalada. E mesmo, ver, tão em embaralhado, de que é que me servia? Conservei em punho meu revólver, mas cruzei os braços. Fechei os olhos. Só com o constante poder de minhas pernas, eu ensinava a quietidão a Siruiz meu cavalo. E

tudo perpassante perpassou. O que eu tinha, que era a minha parte, era isso: eu comandar. Talmente eu podia lá ir, com todos me misturar, enviar por? Não! Só comandei. Comandei o mundo, que desmanchando todo estavam. Que comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem.

Mais coragem que todos. Alguém foi que me ensinou aquilo, nessa minha hora? Me vissem! Caso que, coragem, um sempre tem poder de mais sorver e arcar um excesso – igual ao jeito do ar: que dele se pode puxar sempre mais, para dentro do peito, por cheio que cheio, emendando respiração... À fé, que fiz.

Se não vivei Deus, ah, também com o demo não me peguei –

refiro ; mas um nome só eu falava, fortemente falado baixo, e que pensado com mais força ainda. E que era: – Urutu Branco!...

Urutu Branco!... Urutu Branco!... Cujo era eu mesmo. Eu sabia, eu queria.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas E quando a guerra para o meu lado relambeu, feito repentina labareda dum fogo. Uns vieram. E os tiros – deles, –

bala batia e rebatia. Cortavam capim do chão, que riscavam com punhado de terra. Tch’avam partes de ramos da árvore por cima de mim, e vagens do angico, que então reconheci por isso. Como quieto fiquei. Eu não era o chefe? Mesmo que uma carga de rifle se passou em meu chapéu-de-couro-de-vaca, e que outra, zoante, em meu jaleco raspou. A mil, que não movi mão, mas dei desprezo. Mas, eu tivesse alargado braço e movido mão, para com tiros de meu revólver ripostar, e eu mal morto estava –

ponto que enquadrado de passantes balas, que rentes, até quentes. – Urutu Branco... – eu só relembrei, sussurrado ditoso, como quando com mocinha meiga se namora. Cachaças que em minha alegria. Em vento. E balas, mais, só; num enorme num minuto. Mas, bem: que, aluir dali, eu não aluía. Morresse – tive preguiça de pensar – mas, morresse, então morria três-em-pé, de valente: como o homem maior valente no mundo todo, e na hora mais alta de sua maior valentia! À fé, que foi. Dei em lagoa, de tão filho tranqüilo...

E, de arrepelo, tudo demudou. Aqueles torceram os cavalos, revertendo para se espraiarem por longe. Que era porque os de João Goanhá tinham se avindo de contornar, no cabo do

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas mato, e cometiam urrando o grosso do inimigo, por detrás. –

“Fu!.Fiau!” – que se diz. Que tínhamos de percalçar e de vencer.

E aqueles dianteiros Hermógenes, que tinham vindo, campavam fuga, de batida. E um, do cavalo preto, que bobeou, o Paspe, o Sesfredo e o Suzarte foram nele, galopando num embolo! –

reformaram feia nuvem. E o corpo dele, no retém, foi jogado morto, se tangeu duro no ar, ressaltou: feito uma tábua... Assim um outro, se desatinando – João Vaqueiro, apeado, acertou nele diversas vezes. Esse recurvou – tatu e tal. Ele veio cair, perto exato de mim, ferido muito grave, conforme gemia. – “Desarma, mas não acaba de matar, mano-velho...” – a João Vaqueiro eu disse. Aquele homem inimigo derrubado jeremiava, cris, querendo enterrar as unhas na casca dum pau. O queixume que ele exprimia: que tinham mesmo de perder, por terem vindo com os cavalos deles tão sovados, e avante em surpresa tão contrária...

De tudo se espiolhava, suave praguejante, aí com três costelas derrotadas. Mas, água, ele pedia, cristão. Sede é a situação que é uma só, mesmo, humana de todos. Rebaixei o corpo e dei nas mãos dele a minha cabaça, quase cheia, e que era boa como um cantil. Rústico, fechei os olhos, para não me abrandar com pena das desgraças. Nem não escutei; que ouvido também se fecha.

No cavalo, eu estava levantado. Campo que me competia

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas comandar, dito. Tudo em mim, minha coragem: minha pessoa, a sombra de meu corpo no chão, meu vulto. O que eu pensei forte, as mil vezes: que eu queria que se vencesse; e queria quieto: feito uma árvore de toda altura!

Tiroteio fechava.

E o pessoal de Marcelino Pampa apareceu também, surgindo, para maior mal dos Hermógenes. Matamos neles.

Pegamos pelos lados. Confiro o que foi. O senhor – só se ouvia era carabina, repetindo. Fogo do Tamanduá-tão: o senhor saiba.

E, pá!, ainda no pior do meio, eu adivinhei sabendo: que meu comando tinha dado certo, e que dali a vau tudo estava já ganho, desfecho do fim desse final. Somente para colher o maduro, eu podia sobreviver. Sei que risquei – joguei de galope, em cima. Ao que vim, aonde que tudo se estardalhava. Dei gritos. Arte que abria no rifle; e matava. Donde era que estava o Hermógenes? A uivos, atrás duns, rompemos em linha na vereda. Todo buriti levou bala.

A mais, o inimigo não tinha o recurso de se apostar – por tanto que perdiam os cavalos. Advindo que o baixadão dali não dava esconderijos de mato para tocaia à jagunça. E os poucos foram os que pegar as distantes brenhas conseguiam, ou o cheio

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas do capinzal, aonde não íamos desentocar ninguém. Aqueles deviam de estar de faca em fúria na mão, cobrejando; somente por meio de cachorros-mestres, afirmados em caça de gente, era que podiam ser pegos, o que não se tinha. Os mais, em desrédea, meteram doida fuga, enquanto mal pudessem, de debaixo de balaços. Menos de poucos passaram. Ao rascampo em viemos, soprando a perseguição. Tinha um valo, varamos um mato de lobeiras. Aí era para a banda das roças novas. Uns morrinhos; demos fogo. Uma tapera, outra tapera. Demos fogo. Poucos dos poucos deles escaparam. Os que desladeavam, caíam, por nossos esteiras. Era um relanço bem fatal...

Mas, um homem grande – que como pulou abaixo do cavalo grande, que baleado fora – alcançou jeito de correr, e encontrou uma cafua, em frente. Entrou. De lá, decerto, ia mandar bala. E então nós, a gente, todos, desistindo de mais longe perseguir os sobrantes, cercamos por completo aquela choupana, de regular distância, caçando jeito de entrincheiramen-to. Ia ser o terrível. Que quem era, aquele homem? – “Ah, o Ricardão!” – se gritava. E eu mesmo sabia. Determinei uma descarga. Cafua de buriti, que estremeceu, como que se entortando de lugar, arreganhada em partes. A gente atirando, atirando, com pouco ela ia desaparecer, desmanchada. Mas eu dei

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