O nome que ele me dava, era um nome, rebatismo desse nome, meu. Os todos ouviram, romperam em risos. Contanto que logo gritavam, entusiasmados: - “O Urutu-Branco! Ei, o Urutu-Branco!...”
Assim era que, na rudeza deles, eles tinham muita compreensão. Até porque mais não seria que, eu chefe, agora ainda me viessem e dissessem Riobaldo somente, ou aquele apelido apodo conome, que era de Tatarana. Achei, achava.
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Vai, e eu, por um raio de momento, eu tinha concebido que carecesse de tirar a vida a Zé Bebelo, por maior sossego de meu reger, no futuramente; e agora eu estava quase triste, com pena de ver que ele ia-s’embora. O divertido havia de ser, sim isso, de levar Zé Bebelo comigo, de sotenente, através desse através. Ah, homem como aquele, não se matava. Homem como aquele, pouco obedecia. A ele mandei fornecer mais um cavalo, e um cargueiro – com mantimento, coisas, munição melhor. Dali a hora, mesmo, ele pegou caminho. Para o sul. Vi quando ele se despediu e tocou – com o bom respeito de todos ; e fiquei me alembrando daquela vez, de quando ele tinha seguido sozinho para Goiás, expulso, por julgamento, deste sertão. Tudo estava sendo repetido. Mas, da vez dessa, o julgamento era ele, ele mesmo, quem tinha dado e baixado. Zé Bebelo ia s’embora, conseguintemente. Agora, o tempo de todas as doideiras estava bicho livre para principiar.
De seguida, parado persisti, para um prazo de fôlego. Aí vendo que o pessoal meu já me obedecia, prático mesmo antes da hora. Como que corriam e mexiam, se aprontando para saída, sacudiam no ar os baixeiros, selavam os cavalos. Tantos e tantos, eu sabia o nome e o defeito maior de cada um daqueles homens, e tantos seus braços e tantos rifles e coragens. Aí eu mandava. Aí
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas eu estava livre, a limpo de meus tristes passados. Aí eu desfechava. Sinal como que me dessem essas terras todas dos Gerais, pertencentes. Por perigos, que por diante estivessem, eu aumentava os quilates de meu regozijo. À fé, quando eu mandasse uma coisa, ah, então tinha de se cumprir, de qualquer jeito. - “Tenho resoluto que!” – e montei, com a vontade muito confiada. Dali a gente tinha logo de sair, segundo ã regra exata.
Estradeei. Nem olhei para trás. Os outros me viessem? Cantava o trinca-ferro. Uma arara chiou cheio; levou bala, quase. Atrás de mim, os cabras deram vivas. Eles vinham, em vinham. Eu contava, prazido, o tôo dos cascos.
Dei galope. No Valado chegamos, conforme íamos retornar, por assim. De galope, como está dito. Gente, gentinha, nos rodeou, roceiros em seu serviço. Aquele seô Habão, incluso, muito estarrecido. Esbarramos parada. O que eu carecia era de uns instantes sempre meus, para estribar meu uso. Era primeira viagem saída, de nova jagunçagem; e as extraordinárias cousas, para que todos admirassem e vissem, eu estava em precisão de fazer. E vi um itambé de pedra muito lisa; subi lá. Mandei os homens ficassem embaixo, eles outros esperavam. Minha influência de afã, alegria em artes, não padecesse de se estorvar em monte de pessoas nenhumas. De despiço, olhei: eles nem
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas careciam de ter nomes – por um querer meu, para viver e para morrer, era que valiam. Tinham me dado em mão o brinquedo do mundo.
Fiquei lá em cima, um tempo. Quando desci, umas coisas eu resolvia. Aonde se ia; em cata do Hermógenes? Ah, não.
Antes, primeiro, para o Chapadão do Urucuia, onde tanto boi berra. Ao que me seguissem. Ah, mas, assim, não. O que foi o que eu pensei, mas que não disse: – Assim não...
E veio perante minha presença o seô Habão, mais antecipado que todos; macio, atarefadinho, ele já me sussurrava.
Homem, esse! Ele queria me oferecer dinheiro, com seus meios queria me facilitar. Ah, não! de mim ele é que tinha de receber, tinha de tomar. Agarrei o cordão de meu pescoço, rebentei, com todas aquelas verônicas. As medalhas, umas delas que eu tinha de em desde menino. Fiz gesto: entreguei, na mão dele. O senhor havia de gostar de ver o ar daquele seô Habão, forçado de aceitar pagamento do que nem eram correntias moedas de tesouro do rei, mas costumeiras prendas de louvor aos santos. Ele estava em todos tremores – conforme esses homens que não têm vergonha de mostrar medo, em desde que possam pedir à gente perdão com muita seriedade. Digo ao senhor: ele beijou minha mão! Ele
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas devia de estar imaginando que eu tinha perdido o siso. Assim mesmo, me agradeceu bem, e guardou com muito apreço as medalhas na algibeira; até porque, não podia obrar de outra forma. Matar aquele homem, não adiantava. Para o começo de concerto deste mundo, que é que adiantava? Só se a gente tomasse tudo o que era dele, e fosse largar o cujo bem longe de lá, em estranhas terras, adonde ele fosse preta-e-brancamente desconhecido de todos: então, ele havia de ter de pedir esmolas...
Isso, naquela hora, pensei. Ah, não. E nem não adiantava: mendigo mesmo, duro tristonho, ele havia ainda de obedecer de só ajuntar, ajuntar, até à data de morrer, de migas a migalhas...
As verônicas e os breves ele vendesse ou avarasse para os infernos. Comigo só o escapulário ainda ficou. Aquele escapulário, dito, que conservava pétalas de flor, em pedaço de toalha de altar recosturadas, e que consagrava um pedido de benção à minha Nossa Senhora da Abadia. Que, mesmo, mais tarde, tornei a pendurar, num fio oleado e retrançado. Esse eu fora não botava, ah, agora podia desdeixar não; inda que ele me reprovasse, em hora e hora, tantos meus malfeitos, indas que assim requeimasse a pele de minhas carnes, que debaixo dele meu peito todo torcesse que nem pedaço quebrado de má cobra.
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas E, num reverter de mão, eu já estava pensando: o que eu ia fazer com ele, com o seô Habão, por alguma alvíssara de mercê.
Porque, em fato, ele merecia, e eu a ele devia. Porque ele tinha vesprado em reconhecer meu poder, antes de outro qualquer; e mesmo um barão de presente dele tinha sido, e era, aquele meu formoso cavalo Siruiz, em qual eu estava amontado.
Aí, me lembrei, de uma coisa, e isso era próprio encargo para ele, cabendo em sua marca de qualidade. Me lembrei da pedra: a pedra de valor, tão bonita, que do Araçuaí eu tinha trazido, fazia tanto tempo. Tirei o embrulhinho, da bolsa do cinto. Apresentei a ele. Eu falei: - “Seô Habão, o senhor escute, o senhor cumpra: pega este mimo, zelando com os dedos todos de suas mãos... já e já, o senhor viaje, num bom animal, siga rumo dos Buritis Altos, cabeceira de vereda, para a Fazenda Santa Catarina...”
E mais disse: que era para entregar, de minha parte, à moça da casa, que Otacília se chamava, a qual era minha sempre noiva.
Mas não dando razão de nomear minha pessoa pelos altos títulos, nem citando chefia de jagunços... Mas somente prezar que eu era Riobaldo, com meus homens, trazendo glória e justiça em território dos Gerais de todos esses grandes rios que do
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas poente para o nascente vão, desde que o mundo mundo é, enquanto Deus dura!
Ah, não: em Deus não falasse. Seô Habão pôs atenção; perturbado mas sisudo, ele cogitava. O que ele dizia, carecia de ser repetido, esfiando o as sunto nas pontas dos dedos, tostões.
Ser rico é um diverso dissabor? Que um pudesse se acautelar assim, me atanazava. Quem era? O que por primeira vez reparei: que ele tinha as orelhas muito grandes, tão grandonas; até, sem querer, eu tive de experimentar com a mão o tamanho medido das minhas. Melhor trazer esse sujeito comigo, perto mais perto, para poder vigiar, por todas as partes? Melhor, não; o melhor seria desmanchar a presença dele em definitivas distâncias. – Não vou comer teus peitos, teu nariz, teus duros olhos moles... – eu pensei. Mas ele também tinha alguma espécie de chefia. Eu virei a cara, andei três passos, dando com Diadorim. - “O que eu tolero e desentendo, esse homem: que é, porque, dele, não se consegue ter raiva nem ter pena...” – falei. Mas vi um adejo sombrio no meu amigo, condenado que era de tristeza que não quer ceder suas lágrimas. O quanto, por causa da pedra de topázio? – eu reconheci. Eu não tinha tido dó de Diadorim.
“Dei’stá’, tem tempo, Diadorim, tem tempo...” – pensei, a meio.
Da amizade de Diadorim eu possuía completa certeza. E mais
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas não me amofinei. De manhã cedo, o senhor esbarra para pensar que a noite já vem vindo? O amor de alguém, à gente, muito forte, espanta e rebate, como coisa sempre inesperada. E eu estava naquelas impaciências. Trasmente que, em Otacília, mesmo, verdadeiro eu quase nem cuidava de sentir, de ter saudade. Otacília estava sendo uma incerteza – assunto longe começado. Visse, o que desse, viesse. O seô Habão ia, levava a pedra de topázio, a vida do mundo ia vivendo, coração dá tantas mudanças; meus dízimos eu pagava. O pássaro que se separa de outro, vai voando adeus o tempo todo. Ah, não, eu não – rio, riachos! – não me amofinava. Aquela tristeza de Diadorim eu não aceitei, nem ceitil não recebi. Ingratidão, para o mais-tarde.
Mas o seô Habão não queria ter terminado: negócio que carecia ainda de algum ponto. Dei licença. Ele perguntou, sonseante: ... se eu não prazia de enviar por ele algum recado também para o senhor meu pai, Selorico Mendes, dono do São Gregório, e de outras boas e ricas fazendas?... Eu achei graça, acenei que sim: disse que fosse, reproduzisse a minha saudação...
E então foi que o seô Habão levantou a cara, aquietado – até mediante sorriso. De sorte que, para corrigir em siso a tranqüilidade daquilo, eu determinei: - “O senhor vá logo, logo, de rota abatida... E de lá não quero nenhuma resposta...” –
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas enquanto ri, de ver como ele me obedecia expresso, sem necessidade de caráter.
Onde que, mal dele livre me vi, gritei, despachado, pelos demais. Dand’ ordens: - “A rodar por aí, me trazerem os homens!”
Que’s homens? Os todos que fossem e houvesse. - “Quem tiver instrumento – a toque! Quem gostar de dançar, arre melhor!
P’r’ apreparo, trazer as mulheres também... Com que as músicas, de lá, lá lá...” Tudo tinha de semelhar um social. Ao pois, quem era que ordenava, se prazia e mandava? Eu, senhor, eu: por meu renome, o Urutu-Branco... Ah, não. Festa?