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D. Antônio de Mariz antes que sua filha lhe fizesse esse pedido, já tinha se lembrado de chamar os seus companheiros fiéis, e seguido por eles correr contra o inimigo, e livrar o índio da morte certa e inevitável que procurava.

Mas o fidalgo era um homem de uma lealdade e de uma generosidade a toda a prova; sabia que aquela empresa era de um risco imenso, e não queria obrigar os seus companheiros a partilhar um sacrifício que ele só, faria de bom grado à amizade que votava a Peri.

Os aventureiros que se haviam dedicado com tanta constância à salvação de sua família, não tinham as mesmas razões para se arriscarem por causa de um homem que não pertencia à sua religião, e que não tinha com eles o menor laço de comunidade.

D. Antônio de Mariz perplexo, irresoluto entre a amizade e o seu escrúpulo generoso, não soube o que responder a sua filha; procurou consolá-la, aflito por não poder satisfazer imediatamente a sua vontade.

Álvaro, que contemplava esta cena pungente a alguma distancia, no meio dos aventureiros fiéis e dedicados que tinha sob suas ordens tomou repentinamente uma resolução.

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Seu coração partia-se vendo Cecília sofrer; e embora amasse Isabel, a sua alma nobre sentia ainda pela mulher a quem votara os seus primeiros sonhos, uma afeição pura, respeitosa, uma espécie de culto.

Era uma coisa singular na vida dessa menina; todas as paixões, todos os sentimentos que a envolviam sofriam a influência de sua inocência, e iam a pouco e pouco depurando-se e tomando um quer que seja de ideal, um cunho de adoração.

O mesmo amor ardente e sensual de Loredano, quando se tinha visto em face dela, adormecida na sua casta isenção, emudecera e hesitara um momento se devia manchar a santidade do seu pudor.

Álvaro trocou com os aventureiros algumas palavras; e dirigiu-se para o grupo que formavam D. Antônio de Mariz e sua filha.

— Consolai-vos, D. Cecília, disse o moço, e esperai!

A menina fitou nele os olhos azuis cheios de reconhecimento; aquela palavra era ao menos uma esperança.

— Que contais fazer? perguntou D. Antônio ao cavalheiro.

— Tirar Peri das mãos do inimigo!

— Vós!... exclamou Cecília.

— Sim, D. Cecília, disse o moço; aqueles homens dedicados vendo a vossa aflição sentiram-se comovidos e desejam poupar-vos uma justa mágoa.

Álvaro atribuía a generosa iniciativa aos seus companheiros, quando eles não tinham feito senão aceitá-la com entusiasmo.

Quanto a D. Antônio de Mariz sentira uma intima satisfação ouvindo as palavras do moço: seus escrúpulos cessavam desde que seus homens espontaneamente se ofereciam para realizar aquela difícil empresa.

— Me cedereis uma parte dos nossos homens; quatro ou cinco me bastam, continuou o moço, dirigindo-se ao fidalgo; ficareis com o resto para defender-vos no caso de algum ataque imprevisto.

— Não, respondeu D. Antônio; levai-os todos, já que se prestam a essa tão nobre ação, que não me animava a exigir de sua coragem. Para defender a minha família, basto eu, apesar de velho.

— Desculpai-me, Sr. D. Antônio, replicou Álvaro; mas é uma imprudência a que me oponho; pensai que a dois passos de vós existem homens perdidos, que nada respeitam e que espiam o momento de fazer-vos mal.

— Sabeis se prezo e estimo este tesouro cuja guarda me foi confiada por Deus.

Julgais que haja neste mundo alguma coisa que me faça expô-lo a um novo perigo? Acreditai-me: D. Antônio de Mariz, só, defenderá sua família, enquanto vós salvareis um bom e nobre amigo.

— Confiais demasiado em vossas forças!...

— Confio em Deus, e no poder que ele colocou em minha mão: poder terrível que quando chegar o momento fulminará todos os nossos inimigos com a rapidez do raio.

A voz do velho fidalgo pronunciando estas palavras tinha-se revestido de uma solenidade imponente; o seu rosto iluminou-se com uma expressão de heroísmo e de majestade que realçou a beleza severa do seu busto venerável.

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Álvaro olhou com uma admiração respeitosa o velho cavalheiro enquanto Cecília, pálida e palpitante das emoções que sentira, esperava com ansiedade a decisão que iam tomar.

O moço não insistiu e sujeitou-se à vontade de D. Antônio de Mariz:

— Obedeço-vos; iremos todos e voltaremos mais pronto. O fidalgo apertou-lhe a mão:

— Salvai-o!

— Oh! sim, exclamou Cecília, salvai-o, Sr. Álvaro.

— Juro-vos, D. Cecília, que só a vontade do céu fará que eu não cumpra a vossa ordem.

A menina não achou uma palavra para agradecer essa generosa promessa; toda a sua alma partiu-se num sorriso divino.

Álvaro inclinou-se diante dela; foi juntar-se aos aventureiros; e deu-lhes ordem de se prepararem para partir. Quando o moço entrou na sala então deserta para tomar as suas armas, Isabel, que já sabia do seu projeto, correu a ele pálida e assustada.

— Ides bater-vos? disse ela com a voz trêmula.

— Em que isso vos admira? Não nos batemos todos os dias com o inimigo

— De longe!... Defendidos pela posição! Mas agora é diferente!

— Não vos assusteis, Isabel! Daqui a uma hora estarei de volta.

O moço passou a clavina a tiracolo e quis sair.

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