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— Contudo levarei sempre um remorso, disse outro.

— Faremos dizer uma missa por sua alma.

— Bem lembrado! respondeu o italiano.

Os aventureiros foram ajudar o seu companheiro na demolição surda da parede, e Loredano ficou só, retirado a um canto.

Por algum tempo acompanhou com a vista o trabalho dos cincos homens; depois tirou um largo cinto de escamas de aço que apertava o seu gibão.

Na parte interior desse cinto havia uma estreita abertura pela qual ele sacou um pergaminho dobrado ao comprido: era o famoso roteiro das minas de prata.

Revendo esse papel, todo o seu passado debuxou-se na sua memória, não para deixar-lhe o remorso, mas para excitá-lo a prosseguir em busca desse tesouro que lhe pertencia, e do qual não podia gozar.

Foi tirado da sua distração por um dos aventureiros, que se achegara para ele despercebido, e depois de olhar por muito tempo o papel, dirigiu-lhe a palavra:

— Não podemos derrubar a parede.

— Por quê? perguntou Loredano erguendo-se. Está segura?

— Não é isso, basta um empurrão; mas o oratório?

— Que tem o oratório?

— Que tem? Os santos, as sagradas imagens bentas não são coisas que se atire ao chão! Se tão danada tentação nos tomasse, pediríamos a Deus que nos livrasse dela.

Loredano desesperado dessa nova resistência, cuja força ele conhecia, passeava pela sala de uma ponta à outra.

— Estúpidos! murmurava ele. Basta um fragmento de madeira um pouco de argila para fazê-los recuar! E dizem que são homens! Animais sem inteligência, que nem sequer têm o instinto da conservação!...

Alguns momentos decorreram; os aventureiros parados esperavam a resolução do seu chefe.

— Tendes medo de tocar nos santos, disse Loredano avançando para eles; pois bem, serei eu que deitarei a parede abaixo. Continuai, e avisai-me quando for tempo.

Página 199

Enquanto isto se passava, o resto dos aventureiros que ficara no alpendre ouvia a narração de João Feio, que lhes comunicava as revelações de mestre Nunes.

Quando eles souberam que Loredano era um frade que abjurara dos seus votos, ergueram-se furiosos, e quiseram procurá-lo e espedaçá-lo.

— Que ides fazer? gritou o aventureiro. Não é assim que ele deve acabar; a sua morte há de ser uma punição, uma terrível punição. Deixai-me arranjar isto.

— Para que mais demora? respondeu Vasco Afonso.

— Prometo-vos que não haverá demora; hoje mesmo será condenado; amanhã receberá o castigo de seus crimes.

— E por que não hoje?

— Deixemos-lhe o tempo de arrepender-se: é preciso que antes de morrer sinta o remorso do que praticou.

Os aventureiros decidiram por fim seguir este conselho, e esperaram que Loredano aparecesse para se apoderarem dele e o condenarem sumariamente.

Passou-se um bom espaço de tempo, e nada do italiano sair; era quase meio-dia.

Os aventureiros estavam desesperados de sede; a sua provisão de água e de vinho, já bastante diminuída depois do sitio dos selvagens, achava-se na despensa, cuja porta Loredano fechara por dentro.

Felizmente descobriram no quarto do italiano algumas garrafas de vinho, que beberam no meio de risadas e chacotas, fazendo brindes ao frade que iam dentro em pouco condenar à pena de morte.

No meio da hilaridade algumas palavras revelavam o arrependimento que começava a se apoderar deles; falavam de ir pedir perdão ao fidalgo, de se reunir de novo a ele, e ajudá-lo a bater o inimigo.

Se não fosse a vergonha da má ação que tinham praticado, correriam a lançar-se aos joelhos de D. Antônio de Mariz imediatamente; mas resolveram fazê-lo quando o principal autor da revolta tivesse recebido o castigo do seu crime.

Seria esse o seu primeiro titulo ao perdão que iam suplicar; seria mais a prova da sinceridade do seu arrependimento.

Página 200

II O SACRIFÍCIO

Peri compreendera o gesto da índia; não fez porém o menor movimento para segui-la. Fitou nela o seu olhar brilhante e sorriu.

Por sua vez a menina também compreendeu a expressão daquele sorriso e a resolução firme e inabalável que se lia na fronte serena do prisioneiro.

Insistiu por algum tempo, mas debalde. Peri tinha atirado para longe o arco e as flechas, e recostando-se ao tronco da árvore, conservava-se calmo e impassível.

De repente o índio estremeceu.

Cecília aparecera no alto da esplanada e lhe acenara; sua mãozinha alva e delicada agitando-se no ar parecia dizer-lhe que esperasse; Peri julgou mesmo ver no rostinho gentil de sua senhora apesar da distancia, brilhar um raio de felicidade.

Quando com os olhos fitos naquela graciosa visão ele esforçava-se por adivinhar a causa de tão súbita alegria, a índia soltou um segundo grito selvagem, um grito terrível.

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