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Decidiu ficar.

A única felicidade que ainda podia gozar neste mundo, depois da perda de sua família, era viver com os dois entes que a amavam; essa felicidade não era possível; devia escolher entre um deles.

Ai o seu coração foi impelido pela força invencível que o arrastava; mas depois, envergonhando-se de ter cedido tão depressa, procurou desculpar-se a si mesma.

Disse então que entre seus dois irmãos era justo que acompanhasse antes aquele que só vivia para ela, que não tinha um pensamento, um cuidado, um desejo que não fosse inspirado por ela.

D. Diogo era um fidalgo, herdeiro do nome de seu pai; tinha um futuro diante de si, tinha uma missão a cumprir no mundo; ele escolheria uma companheira para suavizar-lhe a existência.

Peri tinha abandonado tudo por ela; seu passado, seu presente, seu futuro, sua ambição, sua vida, sua religião mesmo; tudo era ela, e unicamente ela; não havia pois que hesitar.

Depois, Cecília tinha ainda um pensamento que lhe sorria: queria abrir ao seu amigo o céu que ela entrevia na sua fé cristã; queria dar-lhe um lugar perto dela na mansão dos justos, aos pés do trono celeste do Criador.

É impossível descrever o que se passou no espírito do selvagem ouvindo as palavras de Cecília: sua inteligência inculta, mas brilhante, capaz de elevar-se aos mais altos pensamentos, não podia compreender aquela idéia; duvidou do que escutava.

— Cecília fica no deserto?... balbuciou ele.

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— Sim! respondeu a menina tomando-lhe as mãos: Cecília fica contigo e não te deixará. Tu és rei destas florestas, destes campos, destas montanhas; tua irmã te acompanhará.

— Sempre?...

— Sempre... Viveremos juntos como ontem, como hoje, como amanhã. Tu cuidas?... Eu também sou filha desta terra; também me criei no seio desta natureza. Amo este belo pais!...

— Mas, senhora, tu não vês que tuas mãos foram feitas para as flores e não para os espinhos; teus pés para brincar e não para andar; teu corpo para a sombra e não para o sol e a chuva?

— Oh! Eu sou forte! exclamou a menina erguendo a cabeça com altivez. Junto de ti não tenho medo. Quando eu estiver cansada, tu me levarás nos teus braços. A rolinha não se apóia sobre a asa de seu companheiro?

Era preciso ver a gentileza e a garridice com que ela dizia todas essas frases graciosas, que borbulhavam dos seus lábios! A irradiação do seu olhar, a animação do seu rosto e a travessura de seu gesto fascinavam.

Peri ficou extático diante da perspectiva dessa felicidade imensa, com a qual nunca sonhara; mas jurou de novo em sua alma que cumpriria a promessa feita a D. Antônio.

A tarde descaia; e era preciso tratar de prover aos meios de passar a noite em terra, o que seria muito mais perigoso; não para ele a quem bastava o galho de uma árvore; mas para Cecília.

Seguindo pela margem para escolher o lugar mais favorável, Peri soltou uma palavra de surpresa vendo a canoa que se tinha embaraçado numa dessas ilhas flutuantes feitas pelas parasitas do rio que bóiam sobre as águas.

Era o melhor leito que podia ter a menina no meio do deserto; puxou a canoa, alcatifou o fundo com as folhas macias das palmeiras, e, tomando Cecília nos braços, deitou-a no seu berço.

A menina não consentiu que Peri remasse; a canoa deslizou docemente pelo leito do rio, apenas impelida pela correnteza.

Cecília brincava; debruçava-se sobre as águas para colher uma flor de passagem, para perseguir um peixe que beijava a face lisa das ondas, para ter o prazer de molhar as mãos nessa água cristalina, para rever a sua imagem nesse espelho vacilante.

Quando tinha brincado bastante, voltava-se para seu amigo e falava-lhe com o gazeio argentino, mimoso chilrear dos lábios travessos de uma linda menina, onde as coisas mais ligeiras e mais frívolas revestem encantos e graça suprema.

Peri estava distraído; seu olhar fitava-se no horizonte com uma atenção extraordinária; a inquietação que se desenhava no seu semblante era o indício de algum perigo, embora ainda remoto:

Sobre a linha azulada da cordilheira dos Órgãos, que se destacava num fundo de púrpura e rosicler, amontoavam-se grossas nuvens escuras e pesadas, que, feridas pelos raios do ocaso, lançavam reflexos acobreados.

Daí a pouco a serrania desapareceu envolta nesse manto cor de bronze, que se elevava como as colunas e abóbadas de estalactites que se encontram nas grutas das nossas montanhas. O azul puro e risonho que cobria o resto do firmamento contrastava com a cinta escura, que ia enegrecendo gradualmente à medida que a noite caia.

Peri voltou-se.

— Tu queres ir para terra, senhora?

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— Não; estou tão bem aqui! Não foste tu que me trouxeste?

— Sim; mas...

— O quê?

— Nada; podes dormir sem receio!

Ele tinha se lembrado que entre dois perigos o melhor era preferir o mais remoto; aquele que ainda estava longe e talvez não viesse.

Por isso resolveu não dizer nada a Cecília, e conservar-se atento e vigilante para salvá-la, se o que ele temia se realizasse.

Peri havia lutado com o tigre, com os homens, com uma tribo de selvagens, com o veneno; e tinha vencido. Era chegada a ocasião de lutar com os elementos: com a mesma confiança calma e impassível, esperou pronto a aceitar o combate.

Anoiteceu.

O horizonte, sempre negro e fechado, se iluminava às vezes com um lampejo fosforescente; um tremor surdo parecia correr pelas entranhas da terra e fazia ondular a superfície das águas, como o seio de uma vela enfunada pelo vento.

Entretanto, ao redor tudo estava quieto; as estrelas recamavam o azul do céu; a viração aninhava-se nas folhas das árvores: os murmúrios doces da solidão cantavam o hino da noite.

Cecília adormeceu no seu berço, murmurando uma prece.

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