— Manda-o vir.
Aires Gomes introduziu o estrangeiro. Era esse mesmo Loredano que em se havia transformado o carmelita Fr. Ângelo di Luca.
— Que desejais, amigo, faltaram-vos em alguma coisa?
— Ao contrário, sr. cavalheiro; acho-me tão bem, que o meu desejo seria ficar.
— E quem vos impede? A nossa hospitalidade assim como não pergunta o nome do que chega, também não lhe inquire o tempo de partida.
— A vossa hospitalidade é de um verdadeiro fidalgo, sr. cavalheiro; mas não é dela que desejo falar.
— Explicai-vos então.
— Um homem da vossa banda vai ao Rio de Janeiro, onde tem mulher e filhos que lhe chegaram do Reino.
— Sim; já ontem me falou disso.
— Falta-vos pois um homem; eu posso ser este homem, se não achais nisso inconveniente.
— Nenhum absolutamente.
— Nesse caso posso considerar-me como admitido?
— Atendei; Aires Gomes vai dizer-vos as condições a que vos sujeitais; se estiverdes por elas, é negócio decidido.
— Creio que já conheço essas condições, disse o italiano sorrindo.
— Ide sempre.
O fidalgo chamou o seu escudeiro e incumbiu-o de pôr o italiano ao fato das condições do bando de aventureiros que tinha ao seu serviço. Era este um dos privilégios de Aires Gomes,
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que o desempenhava com toda a gravidade de que era suscetível a sua personagem um pouco grotesca.
Chegados à esplanada, o escudeiro perfilou-se e proferiu o seguinte intróito:
— Lei, estatuto, regimento, disciplina ou como melhor nome haja, a que se sujeita todo aquele que entrar à soldada na banda do Sr. cavalheiro D. Antônio de Mariz, fidalgo cota d’armas, do tronco dos Marizes em linha reta.
Aqui o escudeiro molhou a palavra e prosseguiu:
— Primo: Obedecer sem replicar. Quem o contrário fizer, pereça morte natural. O
italiano fez um gesto de aprovação.
— Isto quer dizer, misser italiano, que se um dia o Sr. D. Antônio vos mandar saltar deste rochedo embaixo, fazei a vossa oração e saltai; porque de uma ou outra maneira, pelos pés ou pela cabeça, fé de Aires Gomes, lá ireis.
Loredano sorriu.
— Secundo: Contentar-se com o que há. Quem o contrário...
— Com o vosso respeito, Sr. Aires Gomes, não vos deis a um trabalho inútil; sei tudo o que ides rezar-me, e por isso dispenso-vos de continuar.
— Que quereis dizer?
— Quero dizer que todos os camaradas, cada um por sua vez, já me descreveram a cerimônia que ora pondes em prática.
— Não obstante...
— Escusado é. Sei tudo, aceito tudo, juro tudo que quiserdes.
E dizendo isto o italiano fez uma viravolta, e dirigiu-se para o gabinete de D.
Antônio enquanto o escudeiro, zangado por não ter levado ao fim a cena de iniciação a que dava tão grande valor, resmungava:
— Não pode ser boa casta de gente! Loredano apresentou-se a D. Antônio.
— Então? disse o fidalgo.
— Aceito.
— Bem; agora só falta uma coisa, que Aires Gomes não vos disse naturalmente.
— Qual, sr. cavalheiro?
— É que D. Antônio de Mariz, disse o fidalgo pousando a mão sobre o ombro do italiano, é um chefe rigoroso para seus homens, porém um amigo leal para seus companheiros. Sou aqui o senhor da casa e o pai de toda a família a que atualmente pertenceis.
O italiano curvou-se para agradecer, mas sobretudo para esconder a alteração da fisionomia.