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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas um modo simpático de sorriso; compunha o ar de um fazendeiro abastado. O outro – Hermógenes – homem sem anjo-da-guarda. Na hora, não notei de uma vez. Pouco, pouco, fui receando. O Hermógenes: ele estava de costas, mas umas costas desconformes, a cacunda amontoava, com o chapéu raso em cima, mas chapéu redondo de couro, que se que uma cabaça na cabeça. Aquele homem se arrepanhava de não ter pescoço.

As calças dele como que se enrugavam demais da conta, enfolipavam em dobrados. As pernas, muito abertas; mas, quando ele caminhou uns passos, se arrastava – me pareceu –

que nem queria levantar os pés do chão. Reproduzo isto, e fico pensando: será que a vida socorre à gente certos avisos? Sempre me lembro dele, me lembro mal, mas atrás de muitas fumaças.

Naquela hora, eu estava querendo que ele não virasse a cara.

Virou. A sombra do chapéu dava até em quase na boca, enegrecendo.

No terminar, Alarico Totõe pediu que precisavam de um recanto oculto, onde a tropa dos homens passasse o dia que vinha, pois que viajavam de noite, dando surpresa e desmanchando rastro. – “Tem ótimo reconditório...” – meu padrinho consentiu. E mandou que eu fosse guiar aquela gente, até aonde o poço do Cambaubal, num fechado, mato caapuão.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Primeiro, tomou-se café. Assim Joca Ramiro corria pronto os olhos, em tudo ali, sorrindo franco, a cara muito galharda, e pôs as mãos nos bolsos. Ricardão ria grosso. E aquele Hermógenes veio para sair comigo, mais o outro homem – um cabeça-chata alvaço, com muita viveza no olhar; desse gostei, Alaripe se chamava, até hoje se chama. Em que, eles dois a cavalo, eu a pé, viemos até onde estavam esperando os outros, dois passos, no baixo da estrada.

Aí mês de maio, falei, com a estrela-d’alva. O orvalho pripingando, baciadas. E os grilos no chirilim. De repente, de certa distância, enchia espaço aquela massa forte, antes de poder ver eu já pressentia. Um estado de cavalos. Os cavaleiros.

Nenhum não tinha desapeado. E deviam de ser perto duns cem.

Respirei: a gente sorvia o bafejo – o cheiro de crinas e rabos sacudidos, o pêlo deles, de suor velho, semeado das poeiras do sertão.

Adonde o movimento esbarrado que se sussurra duma tropa assim – feito de uma porção de barulhinhos pequenos, que nem o dum grande rio, do aflor. A bem dizer, aquela gente estava toda calada. Mas uma sela range de seu, tine um arreaz, estribo, e estribeira, ou o coscós, quando o animal lambe o freio e mastiga.

Couro raspa em couro, os cavalos dão de orelha ou batem com o

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas pé. Daqui, dali, um sopro, um meio-arquejo. E um cavaleiro ou outro tocava manso sua montada, avançando naquele bolo, mudando de lugar, bridava. Eu não sentia os homens, sabia só dos cavalos. Mas os cavalos mantidos, montados. É diferente.

Grandeúdo. E, aos poucos, divulgava os vultos muitos, feito árvores crescidas lado a lado. E os chapéus rebuçados, as pontas dos rifles subindo das costas. Porque eles não falavam – e restavam esperando assim – a gente tinha medo. Ali deviam de estar alguns dos homens mais terríveis sertanejos, em cima dos cavalos teúdos, parados contrapassantes. Soubesse sonhasse eu?

Decerto de guarda, apartado dos mais, se via um cavaleiro, inteiro. Veio vindo para cá, o cavalo dele era escuro; era um alazão de bom pisar.

– “Capixum, é eu, mais o siô Hermógenes...” – o cabeça-chata falou aviso.

– “A bom, Alaripe!” – o de lá respondeu.

A gente se encostava no frio, escutava o orvalho, o mato cheio de cheiroso, estalinho de estrelas, o deduzir dos grilos e a cavalhada a peso. Dava o raiar, entreluz da aurora, quando o céu branquece. Ao o ar indo ficando cinzento, o formar daqueles cavaleiros, escorrido, se divisava. E o senhor me desculpe, de

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas estar retrasando em tantas minudências. Mas até hoje eu represento em meus olhos aquela hora, tudo tão bom; e, o que é, é saudade.

De junto com o Capixum, se aproximou outro um, também, de sotochefe, que o Hermógenes tratou de sié-Marques.

O Hermógenes tinha voz que não era fanhosa nem rouca, mas assim desgovernada desigual, voz que se safava. Assim – fantasia de dizer – o ser de uma irara, com seu cheiro fedorento. – “Aoh, uê, alguém, irmão?” – aquele sié-Marques perguntou, tratando de minha pessoa. – “De paz, mano velho. Amigo que veio mostrar à gente o arrancho...” – o Hermógenes contestou. Deu ainda um barulho de boca e goela, qual um rosno. Sem mais delongas nenhumas, saí, caminhando ao lado do cavalo do Hermógenes, puxando todos para o Cambaubal. Atrás de nós, eu ouvia os passos postos da grande cavalaria, o regular, esse empurro continuado. Eu não queria virar e espiar, achassem que eu era abelhudo. Mas, agora, eles conversavam, alguns riam, diziam graças. Presumi que estavam muito contentes de ganhar o repouso de horas, pois tinham navegado na sela a noite toda. Um falou mais alto, aquilo era bonito e sem tino: – “Siruiz, cadê a moça virgem?” Largamos a estrada, no capim molhado meus pés

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas se lavavam. Algum, aquele Siruiz, cantou, palavras diversas, para mim a toada toda estranha:

Urubu é vila alta,

mais idosa do sertão:

padroeira, minha vida –

vim de lá, volto mais não...

Vim de lá, volto mais não?...

Corro os dias nesses verdes,

meu boi mocho baetão:

buriti –água azulada,

carnaúba – sal do chão...

Remanso de rio largo,

viola da solidão:

quando vou p’ra dar batalha,

convido meu coração...

Are sens

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